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Um dos efeitos colaterais do avanço da tecnologia é aprofundar as desigualdades, por paradoxal que seja. O setor farmacêutico é um exemplo vivo disso. Na corrida acirrada pela inovação, em especial a experimentada pelos grandes laboratórios privados do mundo, o grau de sofisticação dos produtos tem ficado tão alto que apenas pacientes com mais dinheiro conseguem acessá-los. Nos países onde o grande comprador é o governo, como o Brasil, os custos crescentes aumentam a dificuldade de oferecer os produtos à população em geral.

Riscos – Ao mesmo tempo, crescem os riscos de oferta de medicamentos mais básicos, por falta de interesse econômico da indústria, como é o caso emblemático da penicilina, sem falar do problema histórico das doenças negligenciadas, sofridas especialmente pela população de baixa renda de países em desenvolvimento e até hoje sem resposta adequada por parte do setor farmacêutico.

Custo – A tecnologia que encarece determinados medicamentos também torna mais onerosos os exames laboratoriais, os equipamentos de diagnóstico, o tratamento médico como um todo. Melhor e mais avançada, a saúde custa naturalmente mais, e isso parece ser só o começo.

Terapias gênicas – Depois que a biotecnologia e a nanotecnologia vieram embasar uma nova geração de medicamentos para câncer, doenças autoimunes e crônico-degenerativas, com investimentos e margens de lucro bem superiores às dos sintéticos, a medicina agora explora a fronteira dos produtos de transformação celular, as terapias gênicas. Trata-se da farmácia sob medida: o fabricante coleta o sangue do paciente, modifica e injeta de volta.

Específico – “É um medicamento feito especificamente para o indivíduo, para tratar doenças como as oncológicas e a esclerose lateral amiotrófica [ELA]. Alguns produtos têm uma eficácia sensacional, mas o custo disso é astronômico. Um produto lançado agora nos Estados Unidos e na Suíça está na casa dos US$ 2,5 milhões”, afirma Nelson Mussolini, presidente-executivo da Sindusfarma. “Aí começa aquele dilema: quanto vale uma vida?”

Outro dilema – Outro dilema: quem paga a conta dessa evolução? “No Brasil temos uma regra segundo a qual a saúde é um direito de todos. Só que lá não diz: ‘É um direito de todos, mas tem custo’. Tem que falar isso. Alguém tem de pagar essa conta”, afirma Mussolini.

Equação – A equação, no entanto, não fecha, avalia Dante Alario, diretor técnico e científico da Biolab Sanus Farmacêutica. Ele cita uma perversa combinação de fatores. De um lado, o custo é crescente, pelas tendências de avanço tecnológico, mas também por questões regulatórias, que têm ficado mais exigentes, com uma série de testes que oneram a produção. De outro, a população que envelhece a passos largos. Mais idosos e menos jovens formam uma combinação explosiva: ao mesmo tempo que cresce a parcela que mais consome remédios, diminui a que mais contribui para o governo.

Dificuldade – Com restrições fiscais e orçamentárias, o Estado encontra mais dificuldade em suprir as demandas da população e em investir em laboratórios públicos que poderiam se dedicar à produção de medicamentos de pouco interesse comercial. “Como compatibilizar o crescimento da população idosa, o aumento de consumo, os medicamentos mais caros e os orçamentos cada vez mais apertados?”, questiona Alario, para quem o grande desafio da indústria farmacêutica hoje é a compatibilização de preço dos produtos com as necessidades da população. Para ele, a indústria terá de melhorar a sua produtividade e mexer nos seus processos produtivos para que esses produtos mais modernos possam ser acessados pela população ou pelo governo comprador.


Consumidor – O diretor da Biolab foi a um evento em que foi apresentado um custo de desenvolvimento de produto de US$ 2,6 bilhões. “Não sei se tem alguma base de realidade ou se isso é falado para justificar e jogar o preço lá em cima. O fato é que assim não haverá consumidor. O grande consumidor é governo, e não tem governo no mundo com orçamento para bancar esses produtos. Essa é uma lição de casa que a indústria farmacêutica terá de fazer.”

Equilíbrio – Equilíbrio é o elemento-chave da equação, nas palavras de Mariângela Simão, diretora-geral-assistente da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo relatório da organização, a cada U$ 1 investido em pesquisa e desenvolvimento, a indústria obteve um retorno de aproximadamente US$ 14. “Isso significa que alguma parte da indústria multinacional está se concentrando em produtos de alto retorno para o investimento. E isso vem trazendo uma falta de equilíbrio no mercado”, afirma.

Debate – O que vem se discutindo nas assembleias mundiais de saúde, segundo Mariângela, é um desenho do mercado que responda à necessidade de saúde pública. “A discussão é sobre preço justo. Ou seja, um preço que seja sustentável, possa ser pago pelo governo, e até mesmo por indivíduos em algumas situações, e ao mesmo tempo proporcione retorno atraente para o fabricante”, diz ela. “Não importa que as indústrias privadas visem só ao lucro e invistam em altas tecnologias, desde que as drogas que se destinam a tratar as doenças de interesse público continuem no mercado. Mas esse é um balanço difícil de ser atendido quando o objetivo principal da indústria é maximizar o lucro.”

Desativação – A declaração da diretora da OMS vem num momento em que o Brasil assiste à desativação de unidades que produzem medicamentos clássicos, os sintéticos. É o caso da suíça Roche e da americana Eli Lilly, que preferiu não se pronunciar para esta reportagem. “Além delas, a MSD já tinha reduzido a produção local, a Novartis terceirizou toda a sua produção local e vendeu a fábrica. Isso é uma estratégia de todas as empresas. Elas estão partindo, terceirizando, ou levando sua produção para vários países onde há custo de produção menor ou uma logística mais eficiente”, diz Mussolini.

Sintéticos – Embora a nova geração bio e nanotecnológica e seus biossimilares proporcionem maior eficácia e menores efeitos colaterais, Alario diz acreditar que o mercado de remédios sintéticos deva perdurar por 15 a 20 anos. “Os produtos biológicos não vieram para acabar com os clássicos, mas é uma nova terapia que os médicos têm à disposição e que são melhores para determinados casos”, explica.

Grandes instalações – A questão é que, para a fabricação desses medicamentos mais avançados, não são necessárias grandes instalações fabris. O importante é que a produção esteja estrategicamente localizada no mundo para atender aos mercados mais demandantes, que se encontram no hemisfério Norte. “A Roche está tirando a fábrica dela do Brasil e mandando uma parte para a Espanha e uma parte para América Central. A Eli Lilly, a mesma coisa, ambas por uma questão de logística”, diz Mussolini. A Europa possui 20% do mercado farmacêutico mundial, enquanto o Brasil tem só 4%, e América Latina inteira, 7%, explica ele. “É melhor [para as empresas] levar uma fábrica para locais que permitam uma distribuição mais efetiva, e importar os produtos para o Brasil.”

Decisão – A decisão pode ser boa para os negócios, mas não para o país, que perde vagas de emprego e arrecadação. No caso da Lilly, a produção de medicamentos sólidos das unidades do Morumbi, em São Paulo, e da Espanha será concentrada em Porto Rico. Já a Roche atribuiu a decisão de fechar a fábrica de Jacarepaguá, no Rio, ao fato de os remédios ali produzidos estarem no fim do ciclo da vida. (Valor Econômico)

Fonte: Paraná Cooperativo

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