Paolo Nuciforo, pesquisador no Instituto de Oncologia Vall d’Hebron, em Barcelona. VHIO
Estudo associa a presença de uma bactéria a tumores colorretais e suas metástases em humanos
MANUEL ANSEDE
EL PA[IS
Concentre-se em sua boca. Passe a língua entre seus dentes e a mucosa de suas bochechas. Nesses meandros vive a Fusobacterium nucleatum, uma bactéria comum na boca humana associada a infecções das gengivas. Somos, segundo uma velha brincadeira científica, mais microbianos do que humanos: no corpo de uma pessoa existem 39 trilhões de bactérias e somente 30 trilhões de células humanas. E a ciência está apenas começando a compreender esse complexo mundo microscópico.
A última descoberta pode ser importantíssima. Há cinco anos a comunidade científica suspeita do cada vez mais evidente vínculo entre a Fusobacterium nucleatum e o câncer colorretal, responsável por 775.000 mortes por ano no mundo. A bactéria aparece habitualmente no ecossistema microbiano desses tumores no intestino grosso. E uma equipe internacional de cientistas acaba de descobrir que a bactéria também viaja com as células tumorais que provocam metástase no fígado.
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“Esses dados sugerem que as bactérias, mais do que companheiras de viagem, podem ser as causadoras dessas metástases”, afirma Paolo Nuciforo, coautor do estudo e pesquisador no Instituto de Oncologia Vall d’Hebron, em Barcelona. As bactérias, afirma, poderiam provocar alterações moleculares que causariam tumores nas células humanas.
“Não é a primeira vez que bactérias são associadas ao câncer. A relação entre a Helicobacter pylori e o câncer de estômago é conhecida desde 1994”, explica Nuciforo. A infecção por H. pylori é considerada, de fato, a principal causa de câncer gástrico, um tumor responsável por outras 750.000 mortes por ano no mundo. “Agora estamos constatando também a relação entre a Fusobacterium e o câncer colorretal”, frisa o oncologista.
A equipe de Nuciforo detectou a Fusobacterium em 70% de uma amostra de 200 tumores colorretais humanos. Nas metástases hepáticas desses tumores primários também aparecem as mesmas cepas da bactéria, dentro das próprias células tumorais.
“Se não existisse uma relação, seria quase impossível que a flora microbiana de um tumor no cólon fosse igual à de um tumor no fígado. São órgãos totalmente diferentes”, diz o pesquisador. O trabalho, publicado na sexta-feira na revista Science, é comandado por cientistas do Instituto do Câncer Dana-Farber, em Boston (EUA).
Os autores deram um passo adiante. Injetaram esses tumores humanos em ratos e os trataram com um simples antibiótico, o metronidazol, utilizado habitualmente em infecções de uretra e vagina. O antibiótico por si só conseguiu algo insólito: impedir em 30% o crescimento dos tumores nos ratos, como detalha Nuciforo.
“Uma nova estratégia contra os tumores colorretais associados a Fusobacteriumseria uma combinação de quimioterapia e antibióticos.
Mas para confirmar isso precisamos de mais testes clínicos”, diz o oncologista. Um primeiro passo seria desenvolver um antibiótico específico contra a Fusobacterium, já que o metronidazol também mata outras bactérias da flora intestinal. “Tratamentos preventivos com antibióticos já são utilizados no carcinoma gástrico. O mesmo poderia ser feito com a Fusobacterium se nossos resultados se confirmarem”, diz Nuciforo.
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