by Cláudia Collucci | Folha de S.Paulo
A importação de produtos à base de cannabis medicinal que já vinha numa escalada desde 2015 explodiu durante a pandemia de Covid-19, segundo dados inéditos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O número de autorizações de importação desses produtos passou de 8.522 em 2019, pulou para 19.120 em 2020 e chegou a 33.793 até o último dia 11 de novembro.
O crescimento do mercado vem acompanhado do aumento da demanda pelos idosos. Em quatro anos, quase quadruplicou a participação das pessoas acima de 65 anos nos pedidos de importação do CBD (canabidiol, substância terapêutica derivada da Cannabis, sem efeito psicoativo).
Em 2015, o público respondia por 6,8% do total das autorizações da Anvisa. Em 2019, essa fatia saltou para 23,6%.
Crianças até dez anos, que antes representam 50% dessas autorizações, agora respondem por 21%. O restante está distribuído nas demais faixas etárias.
Os dados são da BRCANN, associação das indústrias de canabinoides com base em dados da Anvisa, obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Segundo Tarso Araújo, que dirige a BRCANN, mais médicos estão buscando capacitação para a prescrição da Cannabis. Os cursos são oferecidos, majoritariamente, pelas indústrias de canabinoides.
Isso ocorre a despeito de uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) de 2014 que só permite que neurologistas e psiquiatras façam a prescrição a crianças com epilepsias refratárias ao tratamento convencional.
Procurado pela Folha ,o CFM não respondeu aos questionamentos sobre o fato de os médicos estarem prescrevendo cannabis fora da chancela do conselho e se há planos de expandir as indicações para outras doenças.
Segundo médicos prescritores, na pandemia houve aumento dos casos de ansiedade, depressão e dor crônica.
O psiquiatra Mauro Aranha, ex-presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), diz que a experiência clínica com o canabidiol tem se mostrado positiva.
“Não há trabalhos científicos mais apurados que atestem esse benefício, mas como é uma droga que não tem riscos significativos, por que não tentar? Temos autorização da Anvisa para isso”, diz.
O clínico-geral José Roberto Lazzarini afirma que o canabidiol, por ter ação neuroprotetora e anti-inflamatória, tem funcionado muito bem na tríade dor crônica, ansiedade e problemas de sono, além de Alzheimer e Parkinson.
“No Alzheimer e Parkinson, a cannabis não altera a evolução da doença, mas melhora muito a qualidade de vida e o bem-estar. Eles começam a dormir melhor, diminui a agitação, ansiedade.”
A jornalista Adília Belotti, 67, foi uma das que aderiram ao uso para aliviar a dor que sentia devido à artrose que tem nos dois joelhos. “Mesmo assim, sempre tive uma vida ativa, sempre gostei muito de caminhar. Mas nos primeiros meses da pandemia parei tudo, não saía de casa. No quarto, deu uma pane nos joelhos, não conseguia mais caminhar. Entrei num looping infinito de dor, corticoide e medo.”
A geriatra Maisa Kairalla, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que tem sido grande a pressão dos pacientes e das empresas de cannabis para a prescrição. “Para o uso em idosos, nos faltam evidência. As pessoas estão usando off label, muitas vezes associam a cannabis à medicação alopática para demência.”
Segundo ela, essa associação pode trazer riscos de queda aos idosos, por exemplo. “Dependendo da concentração, pode ser um psicotrópico. Eu não sou contra, desde que tenha evidências.” “No Alzheimer e Parkinson, a cannabis não altera a evolução da doença, mas melhora muito a qualidade de vida e o bem-estar. Eles começam a dormir melhor, diminui a agitação, ansiedade José Roberto Lazzarini clínico-geral
Comentários