Valor Econômico
Jornalista: Adriana Mattos
26/03/20 - Redes varejistas e a indústria farmacêutica travam uma queda de braço por conta do reajuste nos preços de medicamentos, programado para ser repassado aos produtos a partir da próxima terça-feira, em plena crise causada pela epidemia do novo coronavírus.
A situação chegou a gerar uma saia-justa, em reunião virtual na semana passada, com empresários (inclusive representantes do setor), e o presidente Jair Bolsonaro, dizem fontes. O assunto foi mencionado pelo risco de o governo sofrer desgaste ao anunciar um aumento à população agora. O reajuste médio calculado é de 4,08%.
Parte do varejo defende adiamento dos reajustes - alegando que o momento é ruim para tanto - e os laboratórios, especialmente as empresas nacionais, defendem o aumento. Segundo uma fonte, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) teriam posição favorável à postergação.
Na noite de ontem, o Valor apurou que a tendência da Anvisa é confirmar o repasse aos preços. O órgão terá que decidir até a segunda-feira, no máximo. Revogar o reajuste teria que ocorrer por meio de medida provisória. Procurada, a agência informou que não ter posição sobre o assunto até o momento.
Todos os anos, esse aumento é anunciado pela câmara de regulação do mercado de medicamentos da Anvisa e é válido a partir de abril, dentro de uma série de critérios de cálculo. A princípio, pelas contas do sindicato da indústria (Sindusfarma), é projetado um reajuste médio de 4,08%.
“Não é o momento de um aumento de preços à população, é uma péssima ideia. É claro que com isso todos perdem porque é margem deixada na mesa, especialmente de quem está estocado e pode reajustar agora. Mas a questão neste momento é maior do que essa”, diz um diretor de uma grande varejista nacional.
Na indústria, fontes afirmam que as empresas carregam um aumento nos custos de produção por conta da escalada do dólar, e que o reajuste médio de 4% é necessário para absorver parte disso. “Não entendo o motivo dessa discussão. O varejo não é formador de preço e esse reajuste é lei. Esses 4% são quase imperceptíveis para o consumidor, tamanho os descontos que são concedidos da indústria para o varejo. Isso é populismo feito com o bolso dos outros”, disse um executivo da indústria. Descontos são negociados, em parte, pelo alto volume vendido às redes varejistas.
Para esse executivo, a indústria poderia, agora, recompor um pouco as margens. “Vale ressaltar que o câmbio usado para definir o percentual é o de dezembro. A alta do dólar de janeiro para cá, que beira aos 30%, é custo na veia”, disse.
Segundo um representante setorial das farmácias, a proposta é adiar o aumento um ou dois meses. “Isso é um sinal de sensibilidade ao atual momento, quando o gasto da população deve subir e a renda cair. Quatro por cento é a inflação acumulada de 2019, não é desprezível”, disse.
Em reunião de empresários de diversos setores com o governo na sexta-feira, o assunto foi mencionado e varejistas reforçaram o pedido de adiamento. A indústria rebateu a posição, ao afirmar ao presidente que aceitaria postergar o reajuste só para produtos relacionados com a covid-19. “A definição virá do governo, ainda estamos no escuro”, diz uma segunda fonte.
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