A robô Vera é uma criação de uma startup russa e está a apoiar multinacionais de vários sectores de atividade no recrutamento - FOTO D.R.
Postado pela primeira vez em 11 de setembro de 2018.
Quer trabalhar para o gigante sueco de mobiliário IKEA, para a multinacional de cosmética L’Oreal ou para a Pepsi? Então prepare-se para conhecer Vera, o robô que contrata humanos
Por CÁTIA MATEUS
Rádio Alfa
Poucos consultores de recrutamento conseguirão (ou poderão ambicionar) fazer num mês de trabalho o que Vera faz num dia: 1500 entrevistas a candidatos, que culminam numa shortlist de potenciais contratações a apresentar às empresas.
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Para o comum dos recrutadores isto poderia levar meses. É essa a vantagem da máquina sobre o homem, a capacidade de analisar a uma velocidade recorde quantidades massivas de dados e organizá-las de modo a que façam sentido e tenham uma utilidade prática. E é esse o trunfo de Vera. Resta saber se será suficiente para revolucionar o setor de recrutamento.
Mas quem é Vera, afinal? Vera é o robô-recrutador desenvolvido por uma startup russa, em 2017, que no último ano tem ajudado mais de 200 empresas – entre elas os gigantes Ikea, L’Oreal e PepsiCo, Microsoft, Burger King e Auchan – a preencher as suas vagas com os candidatos certos (sim, são humanos!). E não perca tempo a questionar se é possível ser entrevistado por um robô num processo de recrutamento. É, já está a acontecer e a questão certa é quando lhe vai tocar a si e se está preparado para isso. Mas lá iremos. Primeiro deixe-me apresentar-lhe Vera. Vai certamente cruzar-se com ela, ou com outro robô semelhante, a breve prazo.
Vera está formatada (no sentido literal do termo) para ajudar as empresas a encontrar o candidato certo para uma determinada função, com a maior rapidez possível e com uma margem de erro mínima. E isto implica percorrer todas as etapas do processo desde a identificação do candidato à aferição do seu interesse na função, até à realização da entrevista. E para os candidatos (que tanto se queixam da ausência de resposta de grande parte dos recrutadores) até tem um ponto a favor: Vera dá feedback regular sobre a evolução do processo de recrutamento. Ou seja, a resposta – seja ela sim ou não – está sempre garantida.
Na gênese de Vera está um software de inteligência artificial que utiliza tecnologia machine learning (que dá ao robô a capacidade de aperfeiçoar as suas capacidades de conversação com a experiência) e a visão de Vladimir Sveshnikov e Alexander Uraksin, dois ex-recrutadores que quiseram criar “a Uber do recrutamento”. Mas aqui “não se pedem carros, pede-se talento”, explicavam os fundadores numa entrevista à Blooomberg. Vera combina a tecnologia de reconhecimento de voz que já conhecíamos de assistentes virtuais como Siri (Apple) ou Alexa (Amazon), com o conhecimento da Wikipedia e a informação de anúncios de emprego disponíveis em plataformas como CareerBuilder, Avito, Superjob e outras especificas das empresas.
E por esta altura já suspira de alívio ao pensar “ok, mas isto não acontece no Brasil!”, verdade? Estará certo, mas só em parte – e pode não ser por muito tempo. É que o software pode ser aplicado no Brasil, basta apenas requerê-lo aos fundadores, e o mercado de trabalho é cada vez mais global. Ou seja, se for candidato a uma função internacional numa das 200 empresas que já utilizam este software, o primeiro telefonema que vai receber para iniciar o processo de seleção será certamente o da Vera. De resto, a empresa está já a desenvolver projetos-piloto com várias empresas na Europa.
MAIS DE 50 MIL ENTREVISTAS DIÁRIAS
A robô Vera está sendo maioritariamente utilizada em empresas russas, mas está preparada para abordar outros mercados. Fala russo e inglês, a diferentes velocidades, e pode ter voz feminina ou masculina, consoante as preferências do empregador. A partir de uma descrição da função e de um conjunto de perguntas formatadas para os objetivos da empresa, Vera inicia o processo de pesquisa e revisão de currículos e cartas de apresentação de potenciais candidatos, nas várias plataformas de recrutamento.
Sempre que identifique uma correspondência entre determinado currículo e a vaga em questão, Vera vai contactar o profissional e aferir a sua disponibilidade para ser candidato. Caso esta se confirme, a robô realizará uma primeira entrevista telefônica. Numa fase final da seleção, Vera realiza uma derradeira entrevista, desta feita em formato vídeo, com os candidatos que integram a lista final a apresentar ao empregador.
“Atualmente temos 200 empresas a utilizar Vera, o que significa que o software está a conduzir cerca de 50 mil entrevistas por dia”, explicam os fundadores num balanço do projeto, acrescentando que “o software identifica os profissionais com os melhores currículos, conduz as entrevistas e seleciona para as empresas um ranking com os melhores candidatos dez vezes mais rápido do que um humano”.
O software que incorpora permite ao robô Vera responder de forma correta aos candidatos em 82% das interações. O desafio atual dos fundadores é elevar esta fasquia para os 85% nos próximos meses, ao mesmo tempo que “ensinam” Vera a identificar sinais de raiva, prazer e desilusão. Uma evolução que pode ser determinante na aceitação dos humanos a esta nova forma de recrutar talento.
VANTAGENS E DESVANTAGENS
Vera não é um caso único de aplicação da inteligência artificial no recrutamento, mas tal como todos os outros sistemas tem como trunfo mais imediato para as empresas a redução do tempo e dos custos associados ao processo. É basicamente impossível um consultor de recrutamento humano realizar 1500 entrevistas de emprego num dia. Uma primeira conclusão possível é de que o segredo de Vera é exatamente esse, não ser humana. Mas para os especialistas, essa pode também ser uma limitação e um sério entrave à massificação da aplicação da inteligência artificial ao sector do recrutamento.
Num artigo de opinião publicado este sábado na edição semanal do Expresso, Amândio da Fonseca, administrador do Grupo Egor, defendia que “apesar dos desenvolvimentos do software e dos algoritmos de aprendizagem, está ainda por descobrir uma aplicação informática que consiga persuadir uma pessoa a mudar de emprego, aconselhá-la nas opções de carreira, fazer a ponte no processo de negociação entre a empresa e o candidato”.
Para o especialista, as máquinas estão longe de poder substituir a intervenção humana quando se trata de identificar talento. “As novas tecnologias obrigaram as principais empresas do setor a dotarem-se de meios tecnológicos avançados e os profissionais de recrutamento a assumirem um papel mais interveniente na facilitação da mobilidade dos candidatos e mais preparados para resolver equações humanas que, pela complexidade das motivações, sentimentos e emoções que uma mudança na vida pessoal e profissional arrasta, as máquinas não conseguem resolver”.
E num processo de recrutamento, garante o especialista, há muita coisa que a tecnologia não consegue resolver. Na verdade, poucos humanos estarão preparados para ser entrevistados, sem embaraço nem constrangimento, por uma máquina. Já se imaginou a ser inquirido por um robô sobre o seu percurso de carreira e ambições profissionais e ter uma máquina a analisar e avaliar o seu discurso, vocabulário e tom de voz, sabendo que isso pode ditar o sim ou não na conquista de um emprego?
E estará a máquina à altura de conseguir contextualizar tudo isto e enquadrá-lo no ambiente em que decorre a entrevista, equacionando fatores como a emoção do candidato, o seu estado de espírito ou a inibição própria de quem não está à vontade em ser entrevistado por uma máquina? Por outras palavras, conseguirá um robô fazer uma análise “humana” e identificar um bom candidato mas que é atraiçoado pelo constrangimento de uma entrevista nestes moldes?
A resposta parece óbvia e faz tremer a maioria dos candidatos. Mas a verdade é que, com todas as limitações que ainda lhe reconhecemos, a inteligência artificial está a ganhar cada vez mais adeptos entre as empresas que procuram identificar talento de forma rápida e sem grandes custos associados. A si que procura emprego, não lhe resta outro caminho senão aprender a comunicar com robôs. Vai precisar, num futuro que não está assim tão distante.
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