Em 2020, a alfândega suíça interceptou, em média, mais de um pacote por dia contendo estimulantes de ereção da Índia,
Os suíços estão aproveitando uma brecha na lei para comprar Viagra genérico da Índia pela internet. Mas essas pílulas baratas apresentam um risco para a saúde e podem ser associadas a “crime farmacêutico”.
"Obrigado por nos contatar. Um operador estará com você em breve", diz a janela de bate-papo de um site de venda de medicamentos genéricos indianos. Quase imediatamente um operador, que responde pelo nome de Paul, se junta ao swissinfo.ch em um bate-papo ao vivo.
"Nosso escritório principal está localizado em Londres e todos os medicamentos são enviados da Índia", diz Paul. Em menos de dois minutos, Paul confirma que o envio para a Suíça de quantidades ilegais de versões genéricas de estimulantes de ereção, como Viagra e Cialis, não deve ser um problema.
Ele também garante para swissinfo.ch que sua "empresa" oferece 100% de garantia e devolve o dinheiro, caso os produtos sejam confiscados pela alfândega suíça. Uma oferta tentadora para qualquer suíço desejoso de melhorar sua vida amorosa.
Estimulantes de ereção são um grande negócio na Índia. De acordo com uma pesquisa de mercado realizada pela empresa PharmaTrac, a indústria farmacêutica indiana faturou 68 milhões de dólares, só no primeiro trimestre de 2020, com a venda de "estimulantes sexuais e rejuvenescedores". Isso equivale a cerca de 20% das vendas globais da Pfizer de Viagra no mesmo período, mas as pílulas indianas são cerca de 40 vezes mais baratas.
Apesar do seu preço relativamente baixo, os estimulantes de ereção oferecem uma margem de lucro de mais de 40% - a maior entre todas as drogas do setor farmacêutico indiano.
Na União Europeia, é proibido adquirir e receber por e-mail preparações farmacêuticas para uso pessoal de um país fora do Espaço Econômico Europeu (EEE). Também é ilegal a compra de um medicamento para disfunção erétil ou perda de peso sem receita médica.
Já os residentes suíços (a Suíça não é membro da UE), por outro lado, podem importar legalmente quantidades limitadas de drogas de fora do EEE sem receita médica, graças a uma brecha na lei sobre medicamentos terapêuticos.
Lacuna suíça
"O Parlamento não visou as vendas pela internet quando a lei foi aprovada na década de 90", diz Ruth Mosimann, responsável pelo monitoramento da venda de medicamentos ilegais da Swissmedic, a agência nacional de controle de medicamentos. "Uma exceção foi feita para pequenas quantidades para os turistas que visitam a Suíça, para garantir que eles não sejam parados na fronteira."
É esta exceção que é explorada para importar medicamentos para uso pessoal. Mosimann estima que metade das 40.000 unidades importadas no país estejam dentro dos limites estabelecidos pela lei e, portanto, legal.
Os restantes 20.000 são considerados ilegais devido às quantidades elevadas envolvidas, acrescentou.
No entanto, estes números são apenas projeções com base no número de pacotes apreendidos pelos serviços aduaneiros suíços (pouco mais de 1.200 em 2014). Ninguém realmente sabe a real extensão do problema dos medicamentos ilegais na Suíça. O que sabemos é que a Índia é a fonte número um de todos os medicamentos ilegais apreendidos pela alfândega suíça, respondendo por 45% de todas as apreensões.
Negócio arriscado
O que preocupa é que muitos sites vendem genéricos de Viagra e Cialis com duas a três vezes a dose recomendada por comprimido. É fácil encontrar ofertas de comprimidos de Viagra genérico de 200mg (100mg é a dosagem normal) e de Cialis genérico de 60mg (20mg na dosagem normal).
"O efeito não é melhor se você tomar duas ou três vezes a dose diária recomendada, mas os efeitos colaterais são definitivamente muito maiores", adverte Mosimann. "A falta de supervisão médica torna essas compras um risco para a saúde, mesmo se o produto comprado online contém o ingrediente ativo certo."
O limite suíço para a importação legal também não é um problema para os vendedores online. A maioria dos vendedores de Viagra genérico contatados por swissinfo.ch estavam dispostos a entregar entre 10 a 30 vezes o limite legal suíço em um único pedido.
A única coisa que impede que os suíços comprem grandes quantidades de medicamentos é uma multa por pacote confiscado contendo quantidades acima do limite legal. Mosimann acha que esta medida dissuade a maioria dos compradores online.
Mas não é só a entrada de medicamentos ilegais na Suíça que é motivo de preocupação. As autoridades suíças dizem que os vendedores online estão geralmente ligados a criminosos que operam em diferentes países. Os fornecedores indianos de medicamentos genéricos são apenas uma pequena parte de um negócio ilegal complexo.
Em uma rara apreensão realizada pelas Autoridade do Estado indiano de Maharashtra, em 2014, descobriu-se que as encomendas eram feitas entre "varejistas" internacionais e grossistas na Índia via e-mails. Estes grossistas procuravam então nos distribuidores locais as marcas mais baratas encomendadas. Finalmente, os medicamentos eram embalados e enviados diretamente ao beneficiário final, cujo endereço era obtido pelos varejistas. As autoridades indianas observaram que a fonte dos e-mails dos vendedores (normalmente EUA, Reino Unido, Austrália ou Dubai) e o destino final raramente correspondida.
Essa "compartimentalização" do negócio também foi documentada pela Interpol em seu relatório sobre formação de quadrilhas e criminalidade farmacêutica.
Cooperação indiana
A repressão destinada a desmantelar as redes de medicamentos ilegais liderada pela Interpol revelou que a Índia era uma das principais fontes de abastecimento - não apenas para a Suíça, mas também para outros países como Reino Unido, Irlanda e Nova Zelândia (os únicos que divulgaram a origem dos pacotes apreendidos).
Apelidada de Pangea, a operação contou com o apoio de empresas importantes da internet, como a Google, resultando na apreensão de US$ 81 milhões em medicamentos ilegais, 156 prisões e o fechamento de mais de 2.400 sites.
Suspeita-se que o governo indiano esteja relutante em fazer pressão sobre o poderoso setor farmacêutico do país, que exportou US$ 15 bilhões em medicamentos, em 2019. A indústria farmacêutica indiana já está sendo intensamente investigada pela venda de medicamentos fora dos padrões em mercados exteriores, como nos EUA, onde cerca de 40% dos medicamentos genéricos e de venda livre são de origem indiana.
"A indústria farmacêutica e o governo indiano acham que as empresas indianas estão sendo desnecessariamente alvo de órgãos reguladores estrangeiros e do lobby internacional farmacêutico", diz Syed Nazakat, jornalista e fundador do site indiano Health Analytics, especializado em questões de saúde. "A história real continua mal contada e o papel da agência indiana de controle é defender os interesses dos fabricantes indianos."
No entanto, há sinais de mudança de atitude em relação às exportações irregulares de medicamentos. O Ministério do Comércio da Índia tem se interessado na questão por causa da perda de receitas aduaneiras no que basicamente equivale a uma operação de contrabando internacional.
Adaptação: Fernando Hirschy, swissinfo.ch
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