O Globo
Jornalista: Rafael Garcia
29/02/20 - A linhagem do novo coronavírus (Sars-CoV-2) contraído pelo primeiro brasileiro acometido pela doença passou pela Alemanha antes de infectá-lo na Itália, afirmam cientistas que sequenciaram o genoma do patógeno.
Quando a primeira vítima da Covid-19 no Brasil teve seu exame feito no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, uma amostra de fluidos foi encaminhada ao Instituto Adolfo Lutz que fez o exame de confirmação para a doença. E parceria com o Instituto de Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da USP, o Lutz analisou o RNA material genético do vírus.
Comparando o vírus contraído pelo brasileiro com a primeira sequência obtida na China em janeiro, os pesquisadores identificaram três mutações que chamaram a atenção.
Duas delas aparecem também na sequência de coronavírus isolados em casos que ocorreram em Munique, na Alemanha.
— Provavelmente, essa variedade o vírus tem uma origem na Alemanha — disse ao GLOBO Jaqueline Góes, pesquisadora da USP que participou das análises, feitas também em parceria com as universidade de Oxford e Edimburgo, no Reino Unido.
O trabalho, que conseguiu ler 96% do genoma do patógeno, foi feito no tempo de apenas dois dias, foi bancado com recursos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Wellcome Trust, de Londres.
Além das mutações identificadas em conexão com o vírus isolado em Munique, os cientistas da USP e Adolfo Lutz identificaram uma mutação única, associada apenas com essa amostra de vírus, que foi a primeira a ser coletada na América Latina.
É cedo ainda para dizer se essas alterações sofridas pelo vírus ao longo da rede de transmissão que o trouxe até São Paulo tem alguma implicação médica.
A missão médica que visitou a China a pedido da OMS anunciou há 3 dias que, até aquele momento, a taxa de mutação do vírus não tinha sido alta. A preocupação existe porque um vírus que está em constante mudança pode ser mais difícil de combater com vacinas e fármacos que estão em desenvolvimento.
A informação, diz Góes, deve ser de interesse de pesquisadores italianos que não estão conseguindo rastrear muito bem a origem dos primeiros casos de coronavírus que desembarcaram no país.
Vigilância genética
No Brasil a sequência servirá no futuro para saber se o empresário que contrai o vírus chegou a transmiti-lo para mais alguém no país. Há 182 casos suspeitos de coronavírus em investigação no país agora, mais de 40 relacionados ao paciente que já teve infecção confirmada.
Curiosamente, o vírus isolado no Brasil não tem muita semelhança com a única sequência genética do novo coronavírus sequenciado na Itália até agora.
"Atualmente, a uma única sequencia genômica disponível na Itália. É a sequência de uam turista da província de Hubei, na China, que tinha visitado Roma em 31 de janeiro, e não representa transmissão local na cidade italianta", escreve Nuno Faria, cientista da Universidade de Oxford que colaborou no estudo com os brasileiros.
Os pesquisadores depositaram um relato sobre o novo genoma na plataforma de dados Virological.org, que cientistas estão usando para compartilhar informações sobre vírus identificados em diferentes partes do mundo.
"Para colocar nosso novo genoma do Brasil em contexto, nós o anexamos a um total de 127 genomas completos do vírus extraídos em 17 diferentes países onde casos de Covid-19 já foram notificados", afirmou Faria.
Os genomas do SARS-CoV-2 são importantes para o desenvolvimento de vacinas e de testes diagnósticos, além de ajuderem a compreender a dispersão do vírus e identificar alterações genéticas que alterem a evolução da epidemia.
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