Existem 30 mil medicamentos no mercado nos EUA, e a Food and Drug Administration (FDA) aprova 50 novas marcas a cada ano - Imagem de Arek Socha por Pixabay
Quando você pega uma receita de Viagra, Lunesta (Eszopiclona), Advair (Fluticasona/Salmeterol) ou Paxlovid, você pode se perguntar como esses remédios obtêm seus nomes de marca misteriosos. Os executivos farmacêuticos se sentam em torno de uma mesa de conferência e soltam sons ou sílabas ou os rabiscam até que conjurem um nome único que se adapte ao medicamento que desenvolveram? A realidade não é tão simples.
Embora as pessoas gostem de zombar das marcas farmacêuticas, diz Scott Piergrossi, presidente de criação no Brand Institute, uma empresa de desenvolvimento de nomes com sede em Miami, nos EUA, elas devem entender que as marcas de medicamentos incorporam salvaguardas que minimizam os erros de medicação causados pela confusão de nomes, que “são muito bem pensados em um processo altamente interativo", explica.
Embora a nomeação de um medicamento possa parecer caprichosa, “é um processo muito organizado”, esclarece Suzanne Martinez, estrategista da Intouch, de Chicago, uma agência de marketing farmacêutico.
Há uma demanda constante por novos nomes de drogas. “Existem 30 mil medicamentos no mercado nos EUA, e a Administração de Alimentos e Drogas (FDA, na sigla em inglês) aprova 50 novos nomes de marcas todos os anos”, diz Todd Bridges, presidente global do Drug Safety Institute, o braço regulador do Brand Institute, e ex-presidente diretor da Divisão de Análise de Erros e Prevenção de Medicamentos da FDA. A cada ano, ele acrescenta, torna-se mais desafiador obter a aprovação de novas marcas.
O jogo do nome
Em linhas gerais, o processo de nomeação de medicamentos inclui uma fase criativa, envolvendo uma agência ou empresa especializada em estratégia de marca e marketing para desenvolver nomes potenciais; uma fase de avaliação envolvendo profissionais dos departamentos comercial, regulatório e jurídico da farmacêutica; e procedimentos regulatórios envolvendo revisões legais e aprovação pelo FDA.
“Naming é uma arte e uma ciência”, conta Martinez. “Ambos os lados do cérebro entram nisso.”
No lado criativo, estrategistas de marca e outras pessoas criativas tentam criar nomes que sejam atraentes e ressoem com o consumidor, tanto na mensagem quanto no tom. Isso envolve desafios linguísticos, legais e escritos. Ao mesmo tempo, eles querem evitar quaisquer prefixos ou sufixos que possam ter conotações negativas, depreciativas ou ofensivas.
Isso pode ser complicado porque o negócio farmacêutico atravessa fronteiras e, “na maioria das vezes, [as empresas farmacêuticas] estão procurando um nome que possa funcionar globalmente”, explica Martinez. Afinal, um nome ou sílaba que possa fazer sentido nos EUA pode não ser aceito no mercado europeu. Por exemplo, mist tem conotações positivas em inglês, mas significa estrume em alemão.
No negócio de nomes, “chamamos isso de permavoids – raízes a serem evitadas permanentemente”, destaca Piergrossi.
Para desenvolver um nome que satisfaça todas as partes – incluindo os tomadores de decisão da empresa farmacêutica e órgãos reguladores em vários países – a equipe estratégica e criativa da agência passa meses discutindo centenas de nomes possíveis para um medicamento. Em seguida, essa lista é gradualmente reduzida e apresentada aos tomadores de decisão da empresa farmacêutica e, finalmente, à FDA.
“Em média, as empresas farmacêuticas gastam centenas de milhares de dólares desenvolvendo um nome de medicamento”, revela Piergrossi, e todo o processo normalmente leva de dois a três anos, embora tenha sido mais rápido para os medicamentos para a Covid-19.
Ao desenvolver nomes, às vezes os estrategistas tentam incorporar uma referência à biologia por trás da droga. Por exemplo, o medicamento contra o câncer Xalkori é um inibidor de ALK – abreviação, em inglês, para quinase de linfoma anaplásico –, enquanto Zelboraf, usado para tratar melanoma, é uma molécula que inibe o gene Braf.
“Parecem nomes estranhos, mas podem indicar aos médicos seus mecanismos de ação”, diz R. John Fidelino, chefe de inovação e impacto da The Development, uma empresa de consultoria de estratégia e marketing de marca na cidade de Nova York.
Toque emocional
Às vezes, as empresas querem que o nome desperte uma emoção ou seja mais aspiracional – como foi o caso da Advair (usado para o tratamento de asma), que sugere uma vantagem quando se trata de ar e respiração. Fidelino participou da nomeação do Viagra, que foi a primeira pílula que funcionou para tratar a disfunção erétil. O nome foi escolhido porque “expressa vigor e vitalidade que um homem procurava experimentar e alcançar na superação da disfunção erétil”, explica Fidelino.
Mas há uma linha tênue porque o nome não pode fazer uma afirmação exagerada, ser promocional ou exagerar a eficácia da droga – sugerindo uma cura, por exemplo.
Como parte do processo de nomenclatura de medicamentos, as empresas farmacêuticas geralmente desejam destacar o que é único em um determinado remédio. “Todo medicamento que chega ao mercado tem um aspecto de inovação – muitas vezes é inédito na doença que trata ou usa um mecanismo de ação totalmente novo”, explica Fidelino.
Piergrossi estava envolvido na nomeação do Latisse, um tratamento de prescrição para ajudar as pessoas com cílios finos, ou muito poucos, a crescer mais. O 'La' alude à palavra lash (cílio, em inglês) e o tisse evoca o impressionista francês Henri Matisse. Como resultado, explica Piergrossi, o Latisse “quase tem um efeito de estilo associado a ele”.
Ao criar o nome Lunesta, medicamento para insônia, Piergrossi e sua equipe queriam incluir a palavra lune, para evocar sensações de influências lunares e de restauração e sono, ele explica.
Por outro lado, os nomes de medicamentos genéricos são baseados em sílabas específicas – chamadas radicais – que são unidas para transmitir informações sobre a estrutura química ou ação de um medicamento. Por exemplo, o bebtelovimab é um medicamento de anticorpo monoclonal recém-aprovado que pode ser usado para tratar a Covid-19; como outros anticorpos monoclonais, o nome termina em -mab. Nos EUA, eles são atribuídos pelo Conselho de Nomes Adotados dos Estados Unidos como pré-requisito para a comercialização de um medicamento. “A haste no final do medicamento indica a classe dele”, explica Martinez. “É como uma mini fórmula científica em um nome.”
Quem faz a escolha final
Do lado regulatório, os advogados do fabricante de medicamentos avaliam questões legais e regulatórias por trás de nomes em potencial. Parte da avaliação considera se o nome faz afirmações exageradas ou deturpa a eficácia. É por isso que não vemos nomes de marcas de medicamentos com a palavra “cura” ou “remédio”.
Em última análise, o FDA dá a aprovação final da marca de um medicamento. Para determinar se um nome proposto deve ser aprovado, uma das etapas que o FDA emprega é um programa de software comumente chamado de Poca, que é a abreviação, em inglês, de: análise computadorizada fonética e ortográfica . Ele usa um algoritmo avançado para identificar semelhanças entre nomes de medicamentos, tanto quando são falados quanto escritos como receita médica.
Isso inclui letras semelhantes em escrita cursiva – como L, T e K, que têm um traço ascendente, explica John Breen, diretor executivo de estratégia de saúde da Kyu Collective, uma organização de serviços de marketing, em Nova York.
Além disso, o processo de aprovação de nomes da FDA inclui pesquisas de banco de dados para erros de medicação relacionados a ingredientes ativos do medicamento, estudos de simulação com profissionais de saúde empregados pela FDA para testar sua resposta a nomes propostos e consideração de possíveis falhas, erros ou confusão de nomes quando se trata de prescrever, pedir, dispensar ou administrar o medicamento.
“Há uma razão pela qual há um pouco de loucura quando se trata de nomes de drogas”, pontua Breen. Isso porque “tornou-se quase uma sobrevivência do mais apto, não necessariamente da construção de marca ou potencial comercial, mas de sobreviver ao processo de aprovação [do nome]”.
Confusão de medicamentos
De acordo com um relatório de 2018 do Instituto para Práticas Médicas mais Seguras (IPMS), dos 6.206 erros relacionados a medicamentos relatados ao IPMS, entre 2012 e 2016, quase 10% estavam relacionados à confusão de nomes de medicamentos. Essa foi uma melhoria significativa em relação aos relatórios enviados entre 2000 e 2004, nos quais 20% dos erros de medicação estavam relacionados ao mesmo problema.
Esses erros podem ocorrer quando um médico prescreve uma receita, quando um farmacêutico dispensa um medicamento, quando uma enfermeira administra ou quando um paciente toma medicamentos – se houver dois com nomes semelhantes, por exemplo.
Entre os exemplos de nomes de medicamentos parecidos e com sons semelhantes que muitas vezes são confundidos entre si estão: Adderall e Inderal; Celebrex, Celexa e Cerebyx; Paxil e Taxol; Zyrtec e Zantac. Estes são apenas alguns exemplos da longa lista do IPMS de nomes de medicamentos que são frequentemente confundidos.
Entre 2000 e 2009, o Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos (Cder, em inglês) da FDA recebeu aproximadamente 126 mil relatórios de erros de medicação, “alguns dos quais estão diretamente relacionados ao som e aparência semelhantes de outros medicamentos”.
Quando os erros relacionados ao nome vêm à tona, o FDA, às vezes, pede a uma empresa que renomeie um medicamento. Isso aconteceu em 1990, no caso do Losec (para azia) e do Lasix (diurético); posteriormente, Losec foi renomeado para Prilosec. Em 2010, após relatos de erros de dispensação feitos ao FDA, Kapidex (um medicamento para azia) foi renomeado Dexilant para evitar confusão com Casodex (um medicamento contra o câncer) e Kadian (um narcótico). E em 2016, o FDA aprovou uma mudança de nome para Brintellix (um antidepressivo) para Trintellix, a fim de reduzir o risco de confusão com Brilinta (um medicamento para afinar o sangue).
Como a FDA decide qual nome de medicamento deve ser alterado? “O que foi aprovado por último tem que ser alterado”, esclarece Bridges. “Você pode imaginar como isso afetaria uma empresa – depois de gastar todo esse dinheiro desenvolvendo e comercializando um nome, eles precisam mudá-lo.”
Enquanto isso, a FDA continua atualizando suas diretrizes e padrões para avaliar a segurança dos nomes dos medicamentos, diz Martinez. “O cenário regulatório está sempre evoluindo”, acrescenta, em um esforço para evitar marcas potencialmente problemáticas.
A FDA tem um sistema de monitoramento chamado MedWatch para rastrear tanto os efeitos adversos dos medicamentos quanto os erros de medicação, incluindo confusão de nomes, observa Bridges.
Poder dos nomes
Assim como as marcas Kleenex e Xerox se tornaram sinônimos de seus produtos, um fenômeno semelhante às vezes acontece com as drogas. Com o tempo, alguns nomes de marcas de medicamentos – como Viagra, Xanax, Botox e Lipitor – tornaram-se líderes em suas categorias, palavras familiares e vinculadas ao propósito pretendido. “As pessoas os usam com mais frequência em seu vernáculo cotidiano do que a maioria das outras drogas”, explica Martinez.
Às vezes, os nomes das marcas ficam na mente do público, às vezes não. Tome as vacinas para Covid-19 como exemplo: a maioria das pessoas sabe se recebeu a vacina da Pfizer ou da Moderna e se conseguiu solicitar vacinas ou reforços dos mesmos fabricantes. No entanto, a maioria das pessoas não pede a vacina Pfizer por sua marca, Comirnaty , ou a vacina Moderna por seu nome comercial, Spikevax, depois que esses medicamentos obtiveram aprovação total do FDA.
Para seu crédito, os nomes evocam associações com o funcionamento das vacinas: Covid e mRNA para Comirnaty; e o mecanismo de ação, usando uma vacina de mRNA para desencadear a produção da proteína spike, para Spikevax.
Desvendando a mensagem
Além de ser intrigante, entender o que é necessário para nomear um medicamento e como ele pode se relacionar com o produto real pode ajudá-lo a evitar sua própria confusão de nomes na farmácia. Se você começar a pensar no Zantac como uma droga que combate o ácido estomacal – daí, o -ac no final – você terá menos probabilidade de confundi-lo com o anti-histamínico Zyrtec (um nome parecido) ou o benzodiazepínico Xanax (um nome semelhante ao som).
“Muitas vezes, tentamos construir camadas de significado para nomes de marcas de medicamentos”, conta Piergrossi. “Quanto mais pudermos codificar vários conceitos relacionados aos atributos ou benefícios do produto sem parecer forçado ou artificial, esse é o cenário ideal.” Isso vale para empresas farmacêuticas, profissionais de saúde e consumidores.
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