GRUPO AGUARDA DECISÃO DA ANVISA PARA INVESTIR EM REMÉDIOS À BASE DE MACONHA
No Uruguai, a maconha pode ser comprada em farmácias. Foto: Pablo Abarenga / Getty Images
Responsável pela instalação do primeiro laboratório farmacêutico no Uruguai para produzir medicamentos com base nos princípios ativos da cannabis, o grupo Piauhy planeja investimentos de pelo menos US$ 5 milhões no Brasil a partir de 2020 caso a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dê sinal verde para o surgimento do novo mercado no país. A expectativa é que a decisão das autoridades brasileiras seja tomada até o fim deste ano, após o período de consulta pública que será aberto na próxima semana.
Formado por empreendedores e investidores brasileiros, o grupo comanda o Grüne Labs, no Uruguai, e em julho de 2018 iniciou suas atividades em Portugal, onde planeja erguer um laboratório farmacêutico em Évora e, em Aveiro, uma indústria de matérias primas à base de cânhamo, como são chamadas as plantas da família cannabis com teor de THC (tetra-hidrocarbinol) abaixo de 0,2%. O THC é o responsável pelos efeitos alucinógenos da maconha. Sem ele, a planta dá origem a diversos óleos essenciais, com aplicações na indústria alimentícia, veterinária e de cosméticos.
Portugal legalizou o consumo de maconha medicinal no ano passado e as regras passaram a vigorar em fevereiro, após regulamentação. Todos os produtos deverão ser comprados com receita médica.
"Tirando a origem, que é a maconha, os princípios ativos são como qualquer outro extraído de plantas e os processos para produção dos medicamentos são os mesmos de qualquer indústria farmacêutica", afirma Eduardo Sampaio, um dos integrantes e porta-voz do grupo.
Um inspetor checa o crescimento de mudas de maconha numa estufa profissional, no Canadá. Foto: Chris Roussakis / Bloomberg via Getty Images
Sampaio, que já foi presidente no Brasil da Kroll, consultoria multinacional de riscos e investigações corporativas, afirma que a alternativa encontrada pelo grupo para desenvolvimento de produtos e pesquisas foi verticalizar a produção. No Uruguai, as plantas da maconha, que levam 14 meses para florescer, são cultivadas dentro do próprio laboratório, garantindo o padrão genético necessário para a qualidade dos medicamentos.
Os vários tipos de cannabis possuem cerca de 150 fitocanabinóides, entre eles o THC e o canabidiol (CBD), que prevalece nas plantas classificadas como cânhamos.
Segundo Sampaio, no Uruguai a empresa optou por fabricar medicamento para epilepsia refratária e cremes e óleos dermatológicos, um deles usado no tratamento de psoríase, uma doença inflamatória crônica da pele. Em Portugal estão em andamento, por exemplo, pedidos à Infarmed, a agência reguladora local, de autorização para fabricação de medicamentos para dores crônicas e neuropatias, distúrbios de ansiedade e autismo (ASD).
"No Brasil haveria demanda para medicamentos destinados ao tratamento de epilepsia e ASD, por exemplo, mas o fato é que os marcos regulatórios determinados pela Anvisa é que definirão o que poderá ser produzido no país", explica.
O Brasil, segundo Sampaio, tem cerca de 5 mil autorizações para importação de medicamentos à base de fitocanabinóides. A Justiça Federal na Paraíba também autorizou, em 2017, que a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), em João Pessoa, cultive e manipule a maconha para fins medicinais para atender cerca de 150 integrantes da entidade até decisão da Anvisa sobre o tema. Há ainda expectativa de mercado para produtos orgânicos do cânhamo, como óleos e farinhas.
Sampaio diz que o investimento mais ambicioso é a produção de canabinóides sintetizados em laboratório (geneticamente modificados).
"Os investidores já descobriram que essa é uma indústria que já passou da casa do bilhão. Nos últimos doze meses foram fechados mais de U$ 15 bilhões em negócios nessa área. É uma indústria legítima e com alta taxa de retorno. Aqui no Brasil, infelizmente, ainda resta um estigma contra a planta, algo que pesquisadores do mundo inteiro já demonstraram ser uma bobagem", afirma Sampaio, que é formado em química e se prepara para se especializar na área de neurociência.
Além de usar as substâncias da maconha, o Piauhy pretende desenvolver produtos com substâncias de sementes de papoula, como morfina e óleos essenciais.
Embora a região do país com maior potencial para o plantio de cânhamo seja o Nordeste, Sampaio afirma que o nome Piauhy surgiu por acaso, com base no sucesso da revista Piauí. Quando foi criado o estado, a grafia era Piauhy.
"Uma noite, destas que você fica trabalhando e tomando vinho, fiquei pesquisando marcas disponíveis e descobri que Piauhy ainda estava disponível", conta.
Sampaio não revela quem são os investidores do Grupo, que preferem se manter no anonimato, pelo menos até a decisão da Anvisa.
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