Agência dispensou documento usado como escudo em disputa com o ministério; empresa pode devolver pagamento
por Mateus Vargas
portal Jota
Contratada por cerca de R$ 500 mil pelo Ministério da Saúde, a empresa turca Sanera recebeu da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em janeiro, licença para importar 1.960 comprimidos de Opsumit, medicamento usado para tratar a hipertensão arterial pulmonar. Passados três meses, as drogas ainda não foram entregues aos pacientes.
Sem a mercadoria em mãos, a representante da Sanera no Brasil, a empresa Brasil Gate, planeja devolver o pagamento de quase meio milhão de reais antecipado pela pasta.
A Brasil Gate alegará ao governo que a fabricante do remédio, o laboratório suíço Actelion, boicotou a compra. As vendas à Turquia teriam sido cortadas para evitar que o produto chegasse ao Brasil, de acordo com a versão apresentada pela contratada pelo governo.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">Em resposta, a Actelion, que produz o Opsumit e detém o registro da droga no Brasil, afirma que a empresa turca não está credenciada para fornecer o medicamento.
Este aval da fabricante a distribuidoras, chamado de DDR, é uma exigência da Anvisa para importações de medicamentos registrados no Brasil. A falta deste papel levou a agência a rejeitar pedidos feitos pelo ministério desde o começo de 2018, medida que criou mal-estar entre a autarquia e o ministério no final da gestão de Ricardo Barros (PP-PR).
A Anvisa, no entanto, não cobrou o documento para conceder a licença à Sanera em janeiro. Há pelo menos outros dois processos confirmados pelo JOTA em que a agência liberou, nas últimas semanas, importação também sem a DDR.
Além da Sanera, a também turca Sens Farma recebeu recentemente o aval da autarquia para importar 336 comprimidos de Opsumit em contratos de cerca de R$ 90 mil firmados com o Ministério da Saúde, no final de março. Os medicamentos devem ser entregues nos próximos dias ao governo, segundo a Brasil Med, que representa a Sens Farma, além da Sanera.
Anvisa diz que vai investigar caso
Em nota, a Anvisa reconhece que o documento não foi apresentado pela empresa Sanera, mas não confirma os casos da Sens Farma. “O que pode ter ocorrido é que, para atender à urgência do MS [Ministério da Saúde] em fornecer o medicamento, houve a liberação da LI [licença de importação] mediante compromisso do MS em apresentar, posteriormente, a documentação restante.”
A autarquia afirma que começou a apurar “o que realmente aconteceu neste caso”. Também disse que serão tomadas medidas necessárias para punir “eentual omissão, além das medidas já adotadas para evitar que aconteçam situações semelhantes.”
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">MS espera há três meses
O Ministério da Saúde declara que aguarda resposta da Sanera sobre o desabastecimento de Opsumit. “Caso não haja justificativa, o ministério aplicará a devida penalidade”, disse, sem citar se há processo administrativo aberto ou prazo para manifestação da contratada.
Judicialização
O imbróglio para distribuição de Opsumit é parte de uma disputa que envolve distribuidoras, fabricantes, Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Desde janeiro, a Anvisa barrou importações que seriam feitas pelo Ministério da Saúde sob o argumento de que as empresas contratadas pela pasta não teriam a DDR – o mesmo documento que não foi cobrado pela agência às empresas turcas que conseguiram licença para importar o Opsumit.
Travados, três dos contratos do ministério sem DDR ganharam maior repercussão pelos valores somados, que superam R$ 130 milhões: 1) Fabrazyme, Myozyme e Aldurazyme; 2) Elaprase e 3) Soliris. A Procuradoria da República no DF estuda ação de improbidade envolvendo estes casos.
As fabricantes argumentam que são responsáveis por toda a cadeia produtiva dos medicamentos, inclusive quando a carga está com médicos e pacientes. Assim, alegam que não fornecem as drogas a empresas não-credenciadas por não terem controle sobre a origem e o que será feito com o produto.
O ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR) afirma que exigências da Anvisa favorecem a formação de monopólios. Já o presidente da autarquia, Jarbas Barbosa, defende que a cobrança é essencial para evitar a entrada de remédios falsos no país.
A indústria e associações de pacientes ficaram ao lado da Anvisa nesta disputa. Já Gilberto Occhi, atual ministro, ainda não se manifestou publicamente sobre os casos.
Jogo de empurra
O ministério culpou a Anvisa pela liberação da licença sem a DDR às empresas turcas, ainda que os pedidos tenham sido feito pela pasta. “A declaração é um documento de exigência do órgão regulador, para liberação de importação do produto. Sendo ele o responsável por validar e verificar a apresentação ou não da documentação, e possível liberação de importação”, afirmou a pasta, em nota.
Em resposta anterior, porém, o ministério disse que havia enviado a DDR da Sanera à Anvisa. A pasta retificou a informação ao saber que a Actelion, detentora do registro do Opsumit, havia dito ao JOTA que não concedeu o documento.
Novo modelo de edital
Desde sexta-feira (13/4), o Ministério da Saúde usa novo modelo de edital para compras emergenciais. Elaborado em meio ao imbróglio com drogas de alto custo, o documento não cita a DDR como uma exigência para novos contratos.
Representantes da indústria consultados pelo JOTA disseram que ainda têm dúvidas se outras cobranças do edital forçariam que as vencedoras fossem empresas homologadas por detentoras de registros dos medicamentos. Eles também afirmaram que uma alteração positiva é exigir pagamento postecipado às empresas estrangeiras.
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