Aprenda a se proteger da hostilidade no ambiente de trabalho
Da grosseria do chefe à piada sem graça, as demonstrações de desrespeito no trabalho minam a autoestima, a performance e a saúde
Pense naquele chefe que segura todo mundo no escritório até tarde da noite. Ou naquele que só lembra seu nome quando é para chamá-lo aos gritos na sala dele.
Pense no colega que coloca apelido em todo mundo ou no outro que se gaba de ser o favorito da alta gerência. As situações de hostilidade estão por toda parte no dia a dia profissional e é praticamente impossível passar ileso por elas — como vítima, testemunha ou sendo o próprio autor do desrespeito.
Primeiro, porque onde houver relações humanas haverá conflitos. Além disso, o ambiente competitivo, a cobrança por resultados e a convivência de diferentes gerações no mesmo espaço de trabalho (coisa mais comum a cada dia) criam um cenário propício para atitudes ríspidas, agressivas e insensíveis.
A professora Christine Porath, da Escola de Negócios da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, estuda as causas e os efeitos da hostilidade no trabalho há duas décadas.
O interesse pelo tema surgiu depois de ela mesma passar dois anos em um emprego em que era submetida diariamente a todo tipo de desrespeito.
Ela é autora do livro Mastering Incivility — A Manifesto for the Workplace (“Dominando a hostilidade — um manifesto para o ambiente de trabalho”, numa tradução livre, sem edição no Brasil).
“Minhas pesquisas com milhares de profissionais ao longo desse tempo revelaram que 98% já viveram situações hostis no dia a dia de trabalho e 99% testemunharam episódios desse tipo”, diz.
E, segundo ela, todo mundo sai perdendo quando o ambiente se torna tóxico. “Sentir-se desrespeitado afeta a motivação, a criatividade, a colaboração, o engajamento e a produtividade.”
Preço a pagar
Para as empresas, os prejuízos vêm na forma de absentismo, de perda de profissionais, de baixa performance, de custos com a saúde dos empregados, de indenizações e de fuga de clientes, que cada vez mais se distanciam de marcas que não consideram éticas.
Um estudo de 2013 publicado na revista Fortune revelou que os executivos das 1 000 companhias mais importantes dos Estados Unidos gastaram cerca de 13% do tempo de trabalho (o equivalente a sete semanas por ano) agindo para corrigir prejuízos causados por atitudes hostis e para restabelecer a relação de confiança com os funcionários.
Estima-se que os danos provocados pela falta de civilidade nas organizações custem 6 bilhões de dólares por ano às empresas americanas.
A saúde dos trabalhadores, claro, também paga o pato. “A tensão gerada pela convivência diária em um ambiente hostil estimula a produção de substâncias inflamatórias que afetam a imunidade e prejudicam o sono”, explica a psiquiatra Lívia Beraldo de Lima Basseres.
Estresse e ansiedade, aliás, estão entre as principais causas de afastamento por adoecimento relacionado ao emprego, de acordo com dados do Ministério do Trabalho, e favorecem quadros de burnout e depressão.
Em um momento em que a ética e a transparência nos processos e nos relacionamentos são cada vez mais valorizadas pelos consumidores, as empresas precisam estar atentas para não perder dinheiro.
Uma pesquisa de coautoria de Christine Porath publicada no Journal of Consumer Research mostrou que presenciar um garçom ou vendedor de loja sendo hostilizado pelo gerente do estabelecimento, por exemplo, pode fazer com que o cliente desista da compra e até de frequentar o lugar.
Isso porque ele tende a fazer uma generalização negativa daquele comportamento (ou seja, achar que é a norma válida na empresa) e preferir não colocar ali o dinheiro dele.
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Com a facilidade para que a informação seja passada adiante — basta um clique para postá-la nas redes sociais —, o prejuízo para a reputação do negócio pode ser enorme.
Tem mais. “O líder que não se relaciona bem com o time corre o risco de gerar ruídos na comunicação com o cliente e acabar perdendo-o”, observa Caroline Marcon, coach executiva e especialista em comportamento organizacional.
Não dá para pensar que falta de respeito e atitudes rudes aconteçam apenas de cima para baixo na hierarquia. Afinal, se quase todo mundo sofre com elas é porque os agressores estão por toda parte. Também não está certo achar que comentários sarcásticos e críticas “construtivas” não façam mal a ninguém.
Elas podem, sim, soar como hostilidade para um, mas não para outro — a compreensão e a tolerância variam de acordo com a geração, o gênero, o contexto em que a pessoa foi criada e até a cultura da empresa.
Pior: o comportamento é contagioso. “Um gestor que não respeita e não pune nem adverte quem desrespeita acaba alimentando uma cultura de hostilidade, já que a equipe pode achar que aquele é o comportamento adequado para sobreviver no ambiente”, afirma Caroline.
Ser gentil é ficar para trás?
Agendas sempre cheias e estresse são explicações comuns para o distanciamento de chefes e equipes, o que frequentemente acaba favorecendo relações frias e comportamentos hostis.
Outra crença que justifica tratamentos rudes de gestores para com os subordinados é que perderão o respeito e a capacidade de liderança se forem amigáveis e colaborativos.
As pesquisas de Christine Porath, no entanto, demonstram exatamente o contrário: o que faz um líder ser admirado pelo time tem mais a ver com o acolhimento, a gentileza, a confiança e o respeito que ele pratica no dia a dia.
Ter um chefe agradável e respeitoso resulta em mais criatividade, desempenho e resiliência, estimula a proatividade e reduz o desgaste emocional mesmo em momentos puxados na rotina de trabalho.
Em um levantamento global com mais de 20 000 trabalhadores, a pesquisadora descobriu que aqueles que se sentiam respeitados pelo chefe eram 55% mais engajados, 56% mais saudáveis, 89% mais satisfeitos e felizes e 92% mais focados.
“Ser tratado com civilidade mostrou ter mais efeito sobre a performance e os resultados do que receber reconhecimento, elogios ou feedback positivo”, conclui Christine. Ter interesse em construir relações sinceras com os subordinados, saber ouvir e estar aberto para a colaboração também são fundamentos básicos da liderança respeitosa.
“É importante estar consciente das próprias ações e tentar entender como elas são recebidas e o que provocam em quem está em volta”, observa Patricia Volpi, professora de RH dos MBAs Internacionais do Profuturo da FIA.
Vontade de mudar
Para César Forli (foto acima), de 37 anos, gerente da fábrica da Mars em Recife, a proposta para assumir o cargo atual, mais desafiador do que o anterior, veio junto com um feedback de chefe e colegas sobre seu comportamento explosivo, reativo e pouco aberto a visões divergentes — o que, muitas vezes, dificultava as relações e a realização das atividades, além de ameaçar o sucesso da transição.
“Acho que o excesso de orientação à ação e o impulso de resolver as coisas me faziam atropelar quem estivesse por perto. Eu acabava me posicionando de forma agressiva diante de impasses ou situações desfavoráveis à minha opinião.”
César iniciou um processo de desenvolvimento pessoal e profissional em que exercitou a capacidade de escuta empática, o respeito à individualidade e a aceitação de que é impossível vencer todas as batalhas.
Na mesma época veio a paternidade, que contribuiu para o desejo de transformação. “Mudar comportamentos não foi e não é fácil, ainda mais para alguém competitivo e com ambições de entrega sempre acima do esperado, como eu.
Penso nos embates e nos episódios passados em que fui hostil para refletir sobre o impacto que tenho na vida das pessoas e crescer”, diz.
Sentindo na pele
Rafaela Barboza, assistente jurídica na Novelis e integrantes do grupo de diversidade, inclusão e colaboração | Foto: Germano LüdersRafaela Barboza, de 22 anos, assistente jurídica da Novelis, cansou de passar por situações de discriminação em entrevistas de emprego. Na faculdade onde estuda Direito, o fato de ser a única negra em uma sala com cerca de 50 alunos é uma forma de hostilidade, segundo ela.
Hoje, Rafaela integra voluntariamente na empresa um grupo de discussão e propostas acerca de temas como diversidade, inclusão e preconceitos inconscientes envolvendo gênero e etnia.
Além das conversas, é produzido material de comunicação interna que é usado pela companhia para fomentar uma cultura mais inclusiva e colaborativa.
“A ideia é sensibilizar os colaboradores de todos os níveis para comportamentos nocivos amplamente praticados, embora nem sempre de forma consciente”, afirma. Para quem se sente desrespeitado no dia a dia, ela conta que a iniciativa também procura mostrar que é possível encontrar apoio dentro da organização.
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