Folha de São Paulo
Estimuladas pelas declarações do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, de que ele faria deslanchar a regulação para o plantio de maconha com fins medicinais no Brasil, farmacêuticas esperavam instalar suas linhas de produção por aqui no curto prazo.
Companhias estrangeiras investiram em operações no Brasil em busca de parceiros para produção local e algumas das maiores farmacêuticas brasileiras passaram a estudar o assunto a fundo a cada manifestação de Barbosa que inflou as expectativas.
Sem perspectiva de plantar aqui, a alternativa é manter a importação do insumo, um caminho mais caro, burocrático e com menor controle de qualidade, mas que já é permitido no país.
Hoje, plantar só é permitido a famílias de pacientes com autorização judicial.
O cânabis é usado no tratamento de epilepsia, Parkinson e outras doenças, um mercado que tem potencial de faturar R$ 600 milhões ao ano quando estiver maduro, estimam empresas do setor.
Em uma guinada no discurso, Barbosa disse à Folha que não pode apressar o processo.
“Regulamentação não pode ser feita no afogadilho. Tem de ser com responsabilidade. É algo que vai regulamentar toda uma atividade de produção de medicamento e pesquisa, uma atividade econômica”, disse Barbosa.
O tom menos encorajador contrasta com as manifestações anteriores da Anvisa, de que em breve estaria pronta para consulta pública a proposta de regulação do cultivo de cânabis para pesquisa e produção no país.
Uma das falas mais contundentes de Barbosa ocorreu em maio deste ano, em um evento sobre o uso medicinal da erva que reuniu o setor no Rio.
“Apesar de o regimento da Anvisa me dar a prerrogativa de avocar para mim um processo, eu não precisei fazer isso em nenhum momento no meu mandato. Mas já anunciei que vou fazê-lo publicamente [no caso do cânabis]”, disse.
Ainda no evento de maio, ele completou: “Nas próximas três semanas, no máximo, vamos levar a proposta de iniciativa”. Disse, na ocasião, que já havia conversado com os diretores responsáveis e constatou consenso.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">Na semana passada, porém, Barbosa afirmou que o processo está andando, mas que não se comprometeu com prazos: “Eu nunca disse que era na semana que vem.”
A reviravolta vinha sendo pressentida pelos potenciais investidores, na medida em que o mandato de Barbosa se aproxima do fim, nesta quinta-feira (19).
“Não depende só de mim. É uma visão da diretoria colegiada. Se eu fosse a favor e os outros, contra, não adianta eu ser a favor”, disse Barbosa agora.
Neste contexto está a Entourage, startup de biotecnologia para pesquisa e desenvolvimento de remédios a base de cânabis.
“Jarbas foi firme ao dizer que ia pautar e que já tinha votos. É ruim esse assunto não ser endereçado e manter pacientes, médicos e indústrias farmacêuticas dependentes da importação”, disse Caio Abreu, diretor da Entrourage.
Para Mario Grieco, presidente da operação brasileira da Knox, farmacêutica americana que se instalou no Brasil neste ano, o atraso na regulação limita o acesso de pacientes de baixa renda.
“Os impostos e custos de importação são altíssimos. Sem a regulação, o custo de importar pode ser dez vezes maior”, afirmou Grieco.
A falta de regulação também inibe a atração de tecnologia de plantio, segundo Ivo Bucaresky, representante da canadense MedReleaf.
“A regulação facilitaria o trabalho dos pesquisadores. Hoje, para fazer pesquisa é preciso importar. A importação da matéria-prima bruta, ou seja, o cânabis in natura, enfrenta uma regulação internacional mais complexa “, disse Bucaresky.
Entre as farmacêuticas brasileiras, a Prati-Donaduzzi entrou no segmento neste ano, mas seu insumo é sintético, ou seja, não precisa de plantação.
Outra brasileira, a Biolab, deve anunciar em breve a entrada no mercado de cânabis, com importação.
Em nota, a Anvisa disse que o processo para regular o plantio “está transcorrendo normalmente”, portanto “não haveria necessidade de que fosse avocado” por Barbosa.
“Acreditamos que em duas ou três semanas o processo esteja finalizado e pronto para ser analisado pela diretoria colegiada”, diz a agência.
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