Cientistas colocam em xeque a eficácia da vacina de Oxford

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(crédito: AFP PHOTO / UNIVERSITY OF OXFORD / John Cairns)

Cientistas questionam dados sobre a taxa maior de proteção após uso de menos imunizante e pedem mais transparência na divulgação dos resultados da pesquisa. Desenvolvedores britânicos anunciam que farão novo estudo e descartam atraso na aprovação da fórmula

by Paloma Oliveto - Correio Braziliense Online

Diante da reação da comunidade científica à informação sobre um erro metodológico nos testes da vacina da Universidade de Oxford, o diretor executivo do laboratório britânico AstraZeneca, Pascal Soriot, anunciou que será feito um novo estudo sobre o imunizante, que está sendo testado em 24 mil voluntários, inclusive brasileiros. Em entrevista à agência Bloomberg, Soriot disse, porém, que a pesquisa adicional não deve atrasar a aprovação da vacina pelas autoridades de saúde.

“Agora que descobrimos o que parece ser mais eficaz, temos que validar. Então, precisamos fazer um estudo adicional (…) e precisamos de um número menor de pacientes”, justificou.

Na segunda-feira, a Universidade de Oxford apresentou, em um comunicado para a imprensa, dados intermediários do estudo de fase três, que investiga a eficácia da vacina. De acordo com os cientistas, a análise incluiu 131 casos de covid-19 e indicou que o imunizante é 70,4% eficaz quando combinados dois braços do estudo. Em um deles, os voluntários tomaram meia dose, seguida por uma dose inteira. No outro, foi administrada uma dose inteira nas duas ocasiões em que os voluntários foram vacinados.

Surpreendentemente, os resultados indicaram que a eficácia foi maior no grupo que tomou uma dose e meia: 90%. Já no outro regime, no qual está inserida a maior parte dos brasileiros que participam do estudo, o nível de proteção ficou bem mais baixo: 62%. Na apresentação dos dados — que ainda não foram publicados detalhadamente —, os cientistas não ofereceram explicação. Porém, em entrevista ao jornal The Guardian, Sarah Gilbert, uma das líderes do estudo, afirmou que começar com uma pequena dose e evoluir para uma quantidade maior poderia “ser a melhor maneira de colocar o sistema imunológico em ação”.

Ao acaso

O problema é que, na quarta-feira, Pascal Soriot, da AstraZeneca, afirmou que esse regime de vacinação — meia dose seguida por uma inteira — não foi uma escolha deliberada dos pesquisadores, mas um erro percebido depois. Ao The Guardian, ele definiu esse erro como “serendipity”, uma palavra sem tradução para o português que significa uma descoberta bem-sucedida, ao acaso. Afinal, graças ao engano na administração da vacina, a eficácia chegou a 90%, destacou o executivo.

Mas a comunidade científica não gostou da explicação. Primeiro, porque erros metodológicos durante um teste clínico podem comprometer a confiabilidade dos resultados. Segundo, porque, em seguida, Soriot admitiu que, no primeiro grupo, não havia participantes com mais de 55 anos, e todos eram da Inglaterra. Sabe-se que, com a idade, a resposta a uma vacina é reduzida. Portanto, é possível que a alta eficácia se deva à faixa etária, e não à “serendipity”. Um artigo publicado dia 19 na revista científica The Lancet indicou que o imunizante de Oxford desencadeou a produção de títulos altos de anticorpos em idosos. A eficácia nesse grupo, porém, não foi analisada ainda.

Soriot minimizou as críticas e afirmou que o erro metodológico — percebido depois que os cientistas estranharam efeitos colaterais menos graves no grupo que tomou uma dose e meia — não compromete os resultados. Ele também disse que um artigo com detalhes do estudo preliminar será divulgado no fim de semana, na The Lancet.

Variação aleatória

“Pessoalmente, estou aguardando ansiosamente mais dados sobre essa vacina e informações sobre a análise. O erro de dosagem levanta alguns problemas. Em qualquer teste, quanto mais regimes de dosagem diferentes estiverem presentes, mais provável é que qualquer um deles venha a ter uma eficácia particularmente alta, apenas por causa do acaso e da variação aleatória”, destaca Joy Leahy, especialista em farmacoeconomia da Royal Statistical Society, em Londres. “Os cientistas não podem simplesmente escolher o regime de melhor desempenho e buscar a aprovação regulatória para aquele esquema de dosagem específico. Se fosse assim que os medicamentos fossem licenciados, teríamos muitos remédios sendo tomados em doses que não são as de melhor desempenho”, diz.
Professora de imunologia e doenças infecciosas da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, Eleanor Riley pede mais transparências. “Essas alegações são preocupantes. Sejam ou não justificadas e afetem ou não a validade dos dados divulgados no início da semana, elas precisam ser esclarecidas de forma clara e completa. A confiança é muito importante quando se trata de vacinas, e não devemos fazer nada que possa, de qualquer forma, minar essa confiança.”

Campanhas previstas a partir de dezembro

Os questionamentos sobre a eficácia da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca aparentemente não preocuparam os médicos do governo britânico, que investiu alto no projeto de imunização. “Sempre há um debate científico sobre tudo”, disse ontem o conselheiro médico-chefe, Chris Whitty, em uma entrevista coletiva com o primeiro-ministro, Boris Johnson. “A resposta consiste em deixar nas mãos dos reguladores. É sempre um erro fazer muitas interpretações cedo demais”, acrescentou.

Quando os resultados preliminares foram anunciados no começo desta semana, havia uma expectativa de que o uso do imunizante obteria uma aprovação regulatória rápida nos Estados Unidos e na União Europeia, com campanhas de imunização iniciadas a partir do próximo mês. No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou que, com o regime de doses reduzido, seriam imunizadas 65 milhões de pessoas no primeiro semestre de 2021 e 71,5 milhões, nos seis meses seguintes.

Ontem, com as críticas da comunidade científica, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que vai esperar a divulgação completa dos dados do ensaio clínico. “Em uma revisão dos dados detalhados, estaremos melhor posicionados para entender o desempenho da vacina”, justificou, em nota, a agência das Nações Unidas.

Atenção à África

A OMS também pediu aos países africanos que melhorem rapidamente a capacidade de vacinar a população contra o novo coronavírus. Segundo o órgão, o continente está “longe de estar pronto” para uma imunização em massa. A estimativa é de que os preparativos estão 33% prontos — percentual calculado a partir de dados fornecidos por 40 países. Esperava-se, porém, que a taxa estivesse em 80%.

“O planejamento e a preparação serão decisivos para esse esforço sem precedentes”, disse o diretor regional da OMS para a África, Matshidiso Moeti. Ele especificou que a meta é vacinar 3% dos africanos até março de 2021 e 20% até o fim do ano que vem. Porém, a falta de financiamento, de instrumentos de medição e comunicação com as populações podem comprometer os planos. Para superar essas dificuldades, defendeu Moeti, a “solidariedade internacional será imperativa”.

Ação bilionária

O custo estimado de vacinação apenas das populações prioritárias na África é de cerca de 4,8 bilhões de euros. Os países do continente poderão se beneficiar de parte do sistema de compra e distribuição de vacinas Covax — a iniciativa global que reúne governos e fabricantes para garantir que as eventuais vacinas contra a covid-19 cheguem aos mais necessitados e — e também do financiamento do Banco Mundial.

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