O trabalho deve ajudar a reduzir efeitos colaterais da abordagem experimental e a estendê-la a outros carcinomas
por Paloma Oliveto
Correrio Braziliense
Eleita o avanço do ano pelos participantes do congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco) em maio passado e considerada pela revista Nature uma das mais promissoras terapias para cânceres hematológicos, as células Car-t representam uma esperança a pessoas que não respondem ao tratamento convencional. Estudos clínicos têm obtido bons resultados, com alguns chegando a mais de 90% na remissão da doença. Porém, os mecanismos por trás dessas estruturas retiradas do corpo e modificadas geneticamente em laboratório para, depois, retornarem ao organismo não são completamente conhecidos. Assim, cientistas continuam sem saber o porquê de a eficácia ser muito desigual entre pacientes, o motivo por trás dos relapsos, e como evitar os efeitos colaterais que podem, inclusive, ser letais.
Agora, uma equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, nos Estados Unidos, conseguiu desvendar os padrões de comportamento dessas células. Usando a tecnologia da espectrometria de massa, os cientistas, pela primeira vez, fizeram um perfil das duas variantes mais comuns dos tratamentos à base das Car-t. Em um artigo publicado na revista Science Signaling, eles afirmaram que o estudo vai ajudar a diminuir os efeitos colaterais, melhorar a eficácia do tratamento e estendê-lo a tumores sólidos — atualmente, esse tipo de imunoterapia só é aplicado nos casos de cânceres do sangue, como leucemia e linfomas.
“Os sucessos dos estudos clínicos (com as Car-t), na realidade, também tiveram lados negativos. Houve efeitos colaterais devido ao que se chama síndrome de lançamento de citocinas e, claro, alguns pacientes com os cânceres de sangue mais sensíveis não responderam à terapia”, diz Stanley Riddell, principal autor do artigo e diretor científico da Divisão de Imunoterapia Integrada em Fred Hutch. “Então, sentimos que era muito importante mergulhar na forma como os receptores estão funcionando nas células-T e ver se conseguiríamos entender como podemos, no futuro, desenvolver melhores receptores, que incrementem essas atividades”, afirma o cientista, que participou, na segunda-feira, de uma teleconferência de imprensa para apresentar os resultados.
Quando o sistema imunológico está saudável, células que desempenham o papel de sentinelas percorrem o corpo atrás de invasores, como vírus e bactérias. Elas conseguem detectá-los por meio de receptores, que seriam, para comparação, como “antenas”. Uma vez que os agentes externos entram no organismo e são identificados, os soldados enviam um sinal para um grupo especial de combatentes, as células-T citotóxicas, que, então, partem para o ataque. No caso do câncer, esse mecanismo é prejudicado pelo fato de as células tumorais conseguirem se esconder das que compõem o sistema imunológico. Dessa forma, as “antenas” são incapazes de rastreá-las e, muito menos, de sinalizar para as T entrarem em ação.
Reprogramação genética
Na tentativa de torná-las visíveis, a imunoterapia trabalha estimulando o sistema imunológico a atuar em altíssima velocidade. No caso das Car-t, porém, isso é diferente. A técnica consiste na reprogramação genética das células do próprio doente: os cientistas criam receptores sintéticos, inseridos dentro das T. Essas novas “antenas”, chamadas Car, são, diferentemente das originais, capazes de reconhecer as células do câncer. No laboratório, essas T modificadas são cultivadas e, quando há um número suficiente delas, injetadas no paciente. Por isso, essa é considerada uma terapia viva.
A parte das Car que ficam dentro das células-T tem diferentes componentes. Um deles, o chamado domínio coestimulatório, que funciona como uma unidade de sinalização para o ataque ao tumor, foi o objeto do estudo descrito na revista Science Signaling. No caso, os cientistas estudaram como essas unidades, chamadas CD28 e 4-1BB, avisam as células-T para se mobilizarem contra o câncer e a forma como elas afetam o comportamento e a efetividade dos “soldados” contra tecido tumoral humano, tanto no disco de Petri quanto no organismo de ratos.
“A grande diferença entre os receptores foi a velocidade e a força da sinalização. Células com o Car CD28 têm uma função antitumoral inicial muito forte. Mas, rapidamente, elas se enfraquecem e, em um modelo de roedores com linfoma, as células-T ficaram exaustas”, conta Alex Salter, pesquisador de PhD do laboratório de Stanley Riddell que também participou da teleconferência. “Em contraste, as células com o Car 4-1BB começaram mais lentamente, mas foram melhores em manter as T em funcionamento, o que fez com que os ratos com linfoma vivessem mais.”“Eu me tornei interessada nessa área como uma oncologista que trata pacientes e que quer desenvolver uma forma melhor de predizer os tratamentos que funcionariam melhor em qualquer paciente, tanto maximizando a efetividade quanto minimizando a toxicidade”, diz Amanda Paulovich, que liderou a parte do estudo dedicada a detectar e a quantificar as proteínas no interior das células Car-t sintetizadas por Riddell e Salter.“É nossa esperança poder contribuir para o avanço nesse campo, ajudando no desenvolvimento de terapias mais efetivas”, disse, na teleconferência de imprensa.
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