A rigor, imunizante desenvolvido em parceria com Universidade de Oxford é um candidato promissor. Mas panes nos testes, metodologia discutível e pouca transparência contribuíram para posicioná-lo atrás dos concorrentes.
by DW
A boa notícia é que há fortes indícios de que a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela firma AstraZeneca e a Universidade de Oxford seja muito eficaz, muito segura e muito robusta, não exigindo uma refrigeração tão complexa quanto algumas vacinas de mRNA.
Na realidade, o acirrado debate sobre a vacina AZD1222, de vetor viral, se deve menos à substância em si do que à catastrófica comunicação da fabricante, não só deixando muitas questões em aberto, como também abalando desnecessariamente a confiança em seu produto,
Justamente por as vacinas anticoronavírus estarem sendo desenvolvidas em tempo recorde, a população precisa ter a certeza de que, apesar disso, são seguras. E elas são, caso contrário não seriam aprovadas.
Depois que as concorrentes Biontech/Pfizer e Moderna ganharam a dianteira, com suas notícias de êxito e taxas de eficácia surpreendentemente elevadas, a farmacêutica britânico-sueca AstraZeneca também se viu forçada a apresentar os primeiros resultados parciais dos estudos de eficácia. No entanto, além de serem de difícil compreensão, logo também surgiram dúvidas quanto à metodologia do estudo.
Metodologia inexplicável
Para compreender as cifras da AstraZeneca, é preciso saber que a eficácia apresentada de 70% foi a média de dois estudos clínicos diferentes. Ao todo, ambos envolveram 11.636 participantes, bem menos do que nos estudos dos concorrentes.
Num teste combinado de fase 2 e 3 (COV002), participaram 2.741 indivíduos do Reino Unido, todos abaixo de 55 anos de idade e sem moléstias prévias. Esse grupo recebeu primeiro meia dose de vacina, e quatro semanas mais tarde, uma dose completa. Segundo a firma, a eficácia constatada foi de 90%.
O segundo estudo de fase 3 (COV003) envolveu 8.895 voluntários do Brasil, em parte mais idosos e portadores de enfermidades. Eles receberam duas vezes a dose completa, mas inesperadamente a eficácia foi de "apenas" 62%. Assim, a média entre os dois estudos é de cerca de 70%. Injustamente, alguns observadores tacharam essa cifra de decepcionante. Afinal, a Biontech/Pfizer acenara com 95%, e a Moderna, com 94,5%.
A título de comparação: segundo o Instituto Robert Koch, responsável pela pesquisa e prevenção de doenças infecciosas na Alemanha, a vacina contra a gripe apresentou resultados positivos de meros 21% na temporada 2018-2019. Ou seja: apenas um de cada cinco cidadãos vacinados ficou imunizado.
Confusão de dosagens
Além da combinação de dois estudos, também enigmática para a comunidade científica foi a grande discrepância de eficácia, segundo a diferença de dosagem. Tratou-se apenas de um acaso, ou há uma explicação imunológica? – perguntou-se, por exemplo Gerd Fätkenheuer, diretor do departamento de infectologia da Uniclínica de Colônia.
De início, a AstraZeneca relatou os fatos como se a diferença nas doses tivesse sido intencional. Mais tarde, porém, teve que admitir ter se tratado de uma pane: devido a um erro de produção, as ampolas só estavam cheias pela metade, por isso os pacientes do Reino Unido inicialmente só receberam meia dose.
E não é só: em vez de excluir esses indivíduos do experimento, a empresa preferiu reestruturar todo o estudo. Isso é uma grave infração das práticas usuais, em que os pesquisadores se atêm estritamente ao protocolo previamente estabelecido. Só assim se pode assegurar que não haja manipulações, ou que os resultados sejam interpretados como for mais conveniente.
Quão segura é a vacina da AstraZeneca?
Além da eficácia, naturalmente também é crucial a segurança de um imunizante. Segundo a avaliação intermediária da AstraZeneca, não houve efeitos colaterais graves entre os vacinados em caráter experimental.
Em setembro, a firma suspendera por quase sete semanas os testes de fase 3 das substâncias candidatas, depois que um dos voluntários do Reino Unido apresentou mielite transversa, uma inflamação da medula espinhal que pode causar paralisia e debilidade muscular.
Segundo os peritos, no entanto, não é possível afirmar que a enfermidade esteve necessariamente relacionada à vacinação. De resto, pausas temporárias não são inusuais em estudos clínicos, já que cada caso deve ser examinado minuciosamente.
Mas um novo incidente em Pune, na Índia, contribuiu para a incerteza: um homem de 40 anos apresentou encefalite aguda depois de receber a Covishield, vacina desenvolvida em conjunto pela AstraZeneca, a Universidade de Oxford e o Serum Institute of India.
Em consequência, o voluntário teve um colapso neurológico e comprometimento das funções cognitivas, e agora exige indenização e que se suspenda a produção de Covishield. Por sua vez, o Serum Institute of India classifica as acusações como maldosas e errôneas, assegurando não haver qualquer relação entre a doença e o teste.
Em frente, apesar de tudo
Portanto, comunicação confusa, combinação de dois estudos, ocultação do motivo das dosagens discrepantes e alteração a posteriori do protocolo de testes abalaram desnecessariamente a confiança dos meios científicos e da população na vacina da AstraZeneca.
Após essa catástrofe de imagem, só resta à farmacêutica britânico-sueca dar um passo decidido adiante. Ela já anunciou um novo estudo com maior número de participantes, inclusive mais idosos ou com doenças preexistentes, o qual, acima de tudo, deve fornecer dados mais confiáveis, a fim de restabelecer a confiança perdida.
Até lá, talvez as concorrentes já tenham colocado suas vacinas anti-covid-19 no mercado, porém a demanda mundial é tão grande, que um produto confiável da AstraZeneca certamente venderá muito bem, sobretudo em regiões em que é preciso uma vacina robusta capaz de ser armazenada durante meses num refrigerador comum.
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