Uma vacina eficaz contra a malária deixou de ser uma miragem graças a um estudo publicado agora na revista médica "Science Translational Medicine".
Cientistas dos EUA modificaram o Plasmodium falciparum (parasita causador da doença e mais perigoso que o Plasmodium vivax) por engenharia genética para evitar o estágio de contaminação do fígado típico da doença.
Dez voluntários então receberam esse parasita diferente e não adquiriram a doença. Seus anticorpos ainda impediram que camundongos também fossem afetados.
O conceito de injetar o parasita para imunizar pessoas é similar ao de uma vacina que usa pedaços de um vírus, por exemplo, ou uma versão morta ou "atenuada" dele. Com isso, o sistema imunológico, de defesa do organismo, reconhece o alvo e o ataca.
Desde pioneiros trabalhos de pesquisadores na década de 1960 –com destaque para os brasileiros Ruth e Victor Nussenzweig– se sabe que o parasita da malária poderia servir para uma vacina se atenuado por radiação. No entanto, isso é pouco prático, além de existir o risco de o parasita continuar letal se o processo não for eficiente.
Por isso muitas pesquisas se voltaram para as vacinas de "subunidades", isto é, usando pedaços do parasita para estimular o sistema de defesa. Mas mesmo a mais promissora dessas vacinas em ensaios hoje não mostrou proteção completa.
O parasita da malária é transmitido pela picada da fêmea dos mosquitos do gênero Anopheles, que se alimenta de sangue. Ele entra no corpo na forma chamada de esporozoíto, que infecta o fígado, onde se modifica antes de ser liberado na corrente sanguínea na forma de merozoítos, que atacam as células vermelhas do sangue.
Os esporozoítos usados no estudo tiveram três genes deletados, ou "noucateados", como dizem os cientistas. Os três são essenciais para a infecção do fígado e o posterior desenvolvimento da doença.
A pesquisa foi liderada por James G. Kublin e Stefan H. I. Kappe, do Centro para Pesquisa em Doença Infecciosa, de Seattle (EUA). Kappe no passado trabalhou com o casal Nussenzweig em Nova York.
A nova "vacina", porém, ainda não merece esse nome, pois hoje depende de usar mosquitos para picar o braço de voluntários. É claro que não será assim a forma de administrar uma eventual futura imunização. "A vacina vai ser administrada por seringa. O método usado no estudo clínico por picadas de mosquito, para provar o conceito, foi feito porque era mais fácil", disse Kappe à Folha.
Um "candidato a vacina" precisa passar por testes in vitro e in vivo (em animais de laboratório). Se a eficácia for comprovada –como foi o caso agora–, o produto ainda precisa passar por testes clínicos em três fases.
Uma vacina usando organismos vivos, mesmo que atenuados, exige mais cuidados para transporte e uso. Isso poderia ser mais difícil no continente que mais precisa dela, a África, com seus problemas de infraestrutura.
"A vacina precisa ser mantida em nitrogênio líquido, mas isso já está sendo feito para vacinas de gado na África", afirma Kappe.
COMBATE COMPLICADO
Não tem sido fácil combater a malária. As estratégias de erradicação têm falhado por uma série de motivos. Parte da responsabilidade é do próprio parasita, do gênero Plasmodium e de seu complexo ciclo de vida.
Se, por exemplo, uma vacina neutraliza uma de suas formas, as outras não necessariamente saem prejudicadas, reiniciando o ciclo de infestação. Algumas linhagens também adquiriram resistência a drogas, elevando a letalidade.
Esse mesmo raciocínio vale para os mosquitos vetores, do gênero Anopheles, que também conseguem criar resistência a inseticidas.
Quanto às vacinas, um dos principais problemas é o fato de ela ser baseada em um parasita –para os quais o organismo não costuma produzir bons anticorpos. Para contornar o problema, a farmacêutica GlaxoSmithKline, em vez de usar o parasita, sintetizou uma proteína baseada em três outras que o Plasmodium já produz.
A alternativa obteve relativo sucesso em um teste, prevenindo cerca de 60% dos casos em testes. A etapa atual de estudos está acontecendo com crianças menores de um ano.
Já a estratégia da empresa Sanaria, que usa uma estratégia baseada em parasitas irradiados e introduzidos no sangue via mosquito, gerou proteção de 42% em um ensaio clínico realizado na Colômbia.
Praticamente metade da população do planeta vive em áreas com risco de contrair a doença –cerca de 3,2 bilhões de pessoas. Em 2015 foram reportados 214 milhões de casos de malária resultaram em 438 mil mortes, especialmente de crianças na África.
Fonte Folha de São Paulo
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