O Estado de S.Paulo
09/01/20 - Alguns pacientes de câncer reagem bem à quimioterapia, enquanto outros simplesmente não respondem a esse tratamento. A razão disso ainda não é totalmente compreendida, mas um grupo de cientistas do Brasil e do exterior apresentou ontem estudo inédito que explica parte do que acontece. A descoberta foi que uma proteína do corpo, geralmente protetora contra a formação de tumores, também pode contribuir para o desenvolvimento da doença. A nova pesquisa ainda aponta caminhos para a criação de novas terapias.
Já se sabia que a proteína P53 protege o DNA de alterações que podem levar à formação de tumores cancerígenos. Por isso, é conhecida como “anjo protetor” ou “guardiã” do genoma.
Mais da metade dos casos de câncer em todo o mundo está ligada a mutações genéticas nessas proteínas.
As mutações levam à formação de agregados anômalos de proteína no núcleo das células.
Com isso, a proteína não só deixa de proteger o organismo contra o câncer, como também induz a criar resistência ao tratamento por quimioterapia, um dos mais usados, e facilita o surgimento de metástases.
Os cientistas não sabem exatamente o que provoca as mutações, que em geral são aleatórias.
Já se sabe, no entanto, que hábitos como fumar e beber álcool em excesso podem contribuir para as alterações.
O estudo foi publicado na revista iScience (da Cell) por um grupo liderado pelo bioquímico da Universidade Federal do Rio (UFRJ) Jerson Lima Silva. Eles identificaram grande quantidade desses aglomerados anômalos em células resistentes à quimioterapia derivadas de glioblastoma, tumor cerebral agressivo. É a primeira vez que essas estruturas foram observadas no núcleo de células vivas. “Quando comparamos duas células, uma com a proteína normal e outra com a proteína com mutação, vemos que a segunda fica ainda mais oncogênica, com maior tendência à metástase”, diz Lima Silva. “O estudo foi feito com um glioblastoma, tumor praticamente intratável. E a única droga que existe não funciona diante da mutação.”
O grupo de Lima Silva estuda alterações da P53 há mais de quinze anos. O laboratório da UFRJ foi o primeiro a constatar que a proteína tende a formar agregados anômalos quando sofre mutação, desempenhando papel crucial no desenvolvimento do câncer. O mesmo grupo já tinha observado que esses agregados anômalos de P53 estão presentes também em tumores de mama, ovário e próstata. No novo estudo, constataram que os aglomerados estão em casos de glioblastoma e, ainda, na resistência à temozolomida, principal remédio usado para tratar esse tipo de tumor.
A pesquisa foi feita a partir de uma mutação específica na P53, a M237I. “Isso é importante porque a P53 com outras mutações já estudadas ou sem mutação alguma, não é capaz de conferir o mesmo quadro de resistência”, diz um dos coordenadores do estudo, Guilherme de Oliveira, pesquisador visitante da Universidade de Virginia (EUA).
Futuro
A expectativa agora é usar os aglomerados anômalos como possíveis alvos para o desenvolvimento de novas terapias. “O estudo indica que agregados do mutante P53 são alvos formidáveis para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas contra o câncer”, resumiu Lima Silva. O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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