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A holandesa Philips, que em 2019 completa 128 anos, é um caso raro de multinacional de bens de consumo que atravessou as décadas crescendo e lançando tendências. Para se manter relevante, promoveu recentemente uma grande reestruturação da operação. Em 2012, vendeu a participação na fabricante de cafeteiras Senseo para sua sócia na marca, a americana Sara Lee.

Em 2014, se desfez de toda a divisão de TVs, e, em 2015, passou para a frente o negócio de lâmpadas, com o qual a empresa nasceu, em 1891. O foco da Philips agora é a saúde, tanto em sua área de produtos médicos, que vão de equipamentos de diagnóstico por imagem a softwares de gestão hospitalar, quanto na de eletrodomésticos, com destaque para a Walita. A estratégia vem dando certo. Entre 2014 e 2018, o faturamento do grupo cresceu 25%, para 18,1 bilhões de euros, enquanto o lucro aumentou 169%, para 1,1 bilhão de euros.

Entre as maiores inovações do momento no mercado da saúde, estão os aplicativos que permitem organizar e concentrar os dados do histórico médico dos pacientes e a telemedicina, segundo David Reveco Sotomayor, presidente executivo da empresa na América Latina. O revés que uma tentativa de regulamentar a telemedicina no Brasil sofreu neste ano não desanima a multinacional holandesa. “A digitalização é mais rápida do que a legislação. Muitas vezes é preciso sair do marco regulatório para inovar”, diz. Leia, a seguir, trechos da entrevista exclusiva que Sotomayor deu a EXAME em sua mais recente passagem pelo país.

Como a Philips vê este momento da economia do Brasil?
Há boas perspectivas para o país, mas não estamos falando de uma grande guinada. O avanço deve ser gradual. Segundo nossos clientes varejistas, depois de quatro anos de queda, o consumidor está voltando a comprar. Na parte médica, também vemos os grandes grupos investindo mais em saúde. Para que essa melhore continue, tem um desafio importante, que é a aprovação da reforma da Previdência. O Brasil é o nosso carro-chefe na América Latina. Recuperamos nossa participação de mercado no país nos últimos dois ou três anos, mas o compromisso da Philips com o Brasil é de longo prazo. Temos dois centros de desenvolvimento e uma fábrica no país. Em outubro, realizaremos o nosso congresso mundial no Brasil, com a visita do presidente Frans von Houten, que não visita a região há três anos. O Brasil está muito bem posicionado para essa revolução em que a Philips está focando, que é dar mais poder para que as pessoas cuidem melhor de sua saúde.

Que mudança é essa?
As pessoas – na empresa, chamamos sempre de pessoas, não de pacientes – estão mais preocupadas e mais conscientes da sua saúde. Vemos uma tremenda oportunidade nessa tendência. Todo o nosso trabalho de desenvolvimento de novas tecnologias e soluções é norteado por quatro parâmetros: melhorar a experiência das pessoas, melhorar a experiência dos profissionais da área, aumentar a produtividade do sistema, o que está relacionado a prevenção de doenças, e combinar todos esses princípios para que gerem o melhor resultado para a vida das pessoas.

Quais são as principais novidades nesse setor?
Já estamos em 800 hospitais do Brasil com sistemas que conectam equipamentos e processos para entender o fluxo do serviço e o histórico das pessoas. Queremos fazer esses dados mais acessíveis. Imagine ter todo o seu histórico médico no celular assim como os seus dados bancários. Ajudaria muito na prevenção de problemas. Em minha vida, já morei em oito países, e sempre precisei recomeçar do zero. Nossa jornada diz respeito a organizar esses dados. Criamos há um ano o protótipo dessa ferramenta. Em mais um ano e maio estará disponível. No Brasil, também estamos investindo em cuidados primários de saúde, dentro do conceito de interoperabilidade dos sistemas. Seria ótimo se a pessoa pudesse fazer o agendamento de consultas no sistema público pelo celular, que tem o seu histórico médico e pode ser consultado pelo profissional que a atende no consultório. No Chile, estamos apoiando esse processo de digitalização. Trabalhamos também em modelos integrados de negócios, combinando equipamentos, dados, serviço e educação. Por exemplo, quando um hospital compra um tomógrafo, ele pode pagar apenas uma taxa pelo uso e a empresa faz a manutenção, dividindo os riscos do negócio com a empresa.

Tudo isso parece bom demais para ser verdade. Qual é a dificuldade em transformar em realidade?
Vontade de fazer. Políticas públicas. O Brasil é o país da América Latina em que o consumidor mais usa os aplicativos para digitalizar a sua vida. Mas tem que ser um projeto conjunto, uma parceria entre a indústria e o setor público. A empresa tem a tecnologia, o governo tem a necessidade. Também há organismos multinacionais que oferecem financiamento. Precisamos trabalhar nessas parcerias público-privadas e desmistificar o conceito. Não se trata de privatizar a saúde, mas fazer efetivamente uma parceria. Se temos a tecnologia, o software, o conhecimento, e o governo tem a necessidade, podemos colocar na mesa o financiamento da entidade. Tudo com um marco jurídico claro. Já temos uma experiência assim na Bahia, onde operamos dois hospitais. Entregamos relatórios de atendimento com os indicadores-chave de performance. A Philips tem foco na parceria público-privada, e acreditamos fortemente que a interoperabilidade e o gerenciamento de dados são cruciais. Quem ganha é a pessoa.

A Philips tem conversado com o governo brasileiro sobre essas ideias?
Sempre conversamos. Encontramos com agentes governamentais em Davos [durante o Fórum Econômico Mundial, em janeiro] e seguimos nesse diálogo.

A regulamentação da telemedicina foi barrada no Brasil neste ano. Qual é a importância da regulamentação dessa ferramenta, que faz parte desse progresso que você menciona?
É preciso entender que o Brasil é um país maior do que a Europa. Os problemas na saúde não são só econômicos, mas geográficos. O serviço pode melhorar muito com a telemedicina. Com essa tecnologia, a pessoa faz um exame em qualquer lugar da cidade, alguém elabora o laudo e coloca na nuvem e a pessoa é direcionada para um consultório ou hospital de especialidade, o que for mais adequado. Essa tecnologia existe e está disponível. Já estamos com um projeto piloto assim no país. É preciso um plano estratégico de políticas públicas. Precisamos trabalhar juntos nesse desenvolvimento. O Brasil tem os hospitais mais avançados da América Latina em termos de tecnologia.

Mas são, em sua maioria, hospitais privados. Como fazer essa excelência se espalhar mais pelo serviço público?
Com as parcerias público-privadas e a digitalização. Muitas vezes, a digitalização é mais rápida do que a legislação. Porque não se inova dentro de um marco regulatório, muitas vezes é preciso sair do marco para inovar. Dentro do marco, a inovação é limitada.

E do lado dos eletroeletrônicos, o que há de mais inovador atualmente?
A Philips pensa nesses produtos sempre pelo ângulo da saúde. A Walita está completando 80 anos de Brasil em 2019. Um dos pilares da prevenção de doenças é a alimentação saudável, por isso produtos como a Air Fryer são muito importantes. Quando pensamos em novos produtos, não falamos de potência, mas de como manter as fibras dos alimentos, tirar a gordura. O extrator de leite permite que a mulher, quando viaja ou volta ao trabalho após a licença maternidade, continue amamentando. Os pediatras sempre destacam a importância da amamentação para a saúde da criança. Uma das maiores inovações no país também é a escova de dentes Sonicare. O brasileiro escova seus dentes 5,7 vezes por dia, e o número de dentistas per capita no país é o maior do mundo. A má higiene dos dentes pode causar até problemas de coração. Vamos trazer ao Brasil neste ano um aplicativo que mostra onde não foi bem escovado. Sou fã dessa tecnologia – é como trocar um carro com marchas por um automático, depois de mudar nunca mais se volta atrás. Também temos um aplicativo que é como um coach para a gravidez da mulher, dando informações sobre cada fase.

Como foi, para a Philips, abrir mão de linhas de produtos como as TVs e as lâmpadas, que definiram a identidade da empresa por décadas?
A Philips é uma companhia de inovação e sempre vai se transformar. Quando olhamos para a frente, percebemos que a humanidade vai precisar agir em relação a duas questões: energia e saúde. A expectativa de vida está crescendo, as doenças crônicas são maiores, então é preciso se preocupar mais com a saúde. Quando fizemos os desinvestimentos recentes, decidimos focar em saúde. É preciso, mas a Philips teve coragem de se desfazer de algumas linhas por causa das razões que levaram a essa mudança. Não estamos pensando nos resultados do trimestre que vem, mas nos problemas da humanidade daqui a 50 ou 100 anos. Uma empresa não consegue viver 125 anos sem valores. Pode ter estratégia e uma boa equipe, mas é a sua cultura que cola tudo junto.

As margens do negócio de saúde são maiores do que em outras linhas?
É claro que o perfil de rentabilidade é maior do que outras categorias mais comoditizadas, porém é preciso entender que a tecnologia médica precisa de mais investimentos. Investimos 12% da nossa receita anualmente em pesquisa e desenvolvimento. No setor de TVs, o investimento era de 3% ou 4%. Sem dar lucro, é impossível criar inovação.

Fonte: Portal Exame

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