Por Sheila Kaplan
THE NEW YORK TIMES
Washington – Na medida em que os médicos se afastam dos opioides, uma injeção, que o próprio fabricante diz ser perigosa para ser aplicada na espinha dorsal, está se popularizando para o tratamento de dor nas costas.
O medicamento anti-inflamatório, chamado Depo-Medrol, produzido pela Pfizer, foi aprovado para uso em músculos e articulações. Uma vez que uma droga é aprovada, no entanto, os médicos podem prescrevê-la, legalmente, como bem entenderem. E eles têm se utilizado do Depo-Medrol e genéricos para aplicações próximas à medula espinhal, contra dores nas costas, no pescoço e para condições como a estenose espinhal.
O que poucos médicos ou pacientes sabem é que a Pfizer, diante de centenas de queixas de lesões e complicações relacionadas às injeções, pediu há cinco anos que a Administração de Alimentos e Drogas (FDA) proibisse esse tipo de tratamento. Na solicitação, que não se tornou pública por nenhuma das partes, a empresa citou os riscos de cegueira, derrame, paralisia e morte.
A FDA decidiu não proibir o medicamento, mas enfatizou o aviso no produto. Outros países – entre eles Austrália, Brasil, Canadá, França, Itália, Nova Zelândia e Suíça – atenderam ao pedido da Pfizer.
Depois que as preocupações em torno do uso da droga se elevaram, seu uso declinou. Mas a epidemia de opioides parece estimular sua popularidade, apesar dos riscos conhecidos pelos trabalhadores do setor de saúde pública e pelos médicos.
De acordo com a FDA, problemas nas costas são a causa mais comum do desencadeamento de dor crônica. O número de cursos nos fins de semana para treinar os médicos no uso deste tratamento tem aumentado. Críticos, como o Dr. Terri A. Lewis, especialista em reabilitação e professor da Universidade do Sul de Illinois, dizem que o medicamento é responsável por transformar clínicas em "moinhos de perfuração".
Em junho, como parte da legislação para enfrentar a crise dos opioides, a Câmara aprovou um aumento no reembolso do Medicare para tal procedimento.
O número de provedores do Medicare dando injeções de esteroides na espinha dorsal, incluindo o Depo-Medrol e outras drogas, aumentou em 13 por cento em 2016, em comparação a 2012. O número de beneficiários do Medicare recebendo essas injeções subiu 7,5 por cento. O Departamento de Assuntos de Veteranos relatou um aumento de 17 por cento nas injeções entre 2015 e 2017.
As vendas totais do Depo-Medrol e de genéricos equivalentes cresceram 35 por cento: de US$133 milhões para US$185 milhões entre 2015 e 2017, de acordo com o Instituto IQVIA de Ciências de Dados Humanos, organização de pesquisa em saúde.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">É uma tendência preocupante para os cruzados antiopioides como o Dr. Andrew Kolodny, codiretor de pesquisa em políticas de opiáceos na Universidade Brandeis.
"As vítimas da era da prescrição de opiáceos agressivos estão agora sendo exploradas por médicos intervencionistas, que continuarão com o uso de opiáceos para que consigam executar procedimentos caros que, na realidade, os pacientes não precisam. Estes não são procedimentos benignos. Pacientes podem ser, e são, prejudicados", disse Kolodny.
A Pfizer, em 2013, pediu discretamente à FDA e outros órgãos reguladores de outros países para que banissem o uso epidural do Depo-Medrol. "Não deve ser usado por meio intratecal, epidural, por via intravenosa ou por qualquer outro meio não especificado", escreveu a empresa.
Não é comum que uma empresa farmacêutica solicite uma contraindicação para seu próprio produto. Neste caso, alguns médicos dizem que a Pfizer estava preocupada com a responsabilidade diante do uso fora do que era indicado, que não garante ao fabricante a segurança em relação aos usos aprovados.
Quando a FDA autorizou um aviso mais enfático, em 2014, observou que administrar injeções de esteróides perto da espinha raramente causava lesões, mas em caso de tal ocorrência, poderiam ser catastróficas, chegando até a levar à morte. A advertência foi estendida a todo tipo de aplicações de esteroides epidurais, número estimado em aproximadamente 9 milhões por ano – importante não confundir com os bloqueadores de dor, muitas vezes chamados de epidurais, administrado em mulheres durante o trabalho de parto.
Agora, entrevistas com dezenas de especialistas em dor mostram que a pressão para que os pacientes parem com opioides tem levado muitos médicos a indicar especialistas intervencionistas que dão as injeções. O custo por injeção varia muito, entre US$100 e US$800, com uma taxa adicional que também depende do hospital ou clínica onde é feita.
"A verdade subjacente é que dar uma injeção é mais rápido e resulta em reembolsos maiores, em comparação a outras formas de tratar a mesma dor," disse Dr. James P. Rathmell, presidente de Medicina de Anestesiologia e Dor no Brigham and Women’s Hospital. Foi Rathmell que levantou a questão para a FDA e supervisionou um painel responsável por recomendar diretrizes de segurança.
"O uso de injeções aumentou drasticamente, mas a taxa de casos de dor nas costas tem permanecido relativamente inalterada", disse Rathmell.
Médicos podem escolher entre vários tipos de injeções de esteróides epidural. O Depo-Medrol lidera grande parte do mercado. As injeções de esteroide epidural na área cervical (pescoço) e meio das costas são consideradas as mais perigosas.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">As injeções funcionam assim: o esteroide é injetado no espaço epidural no canal da coluna vertebral. A maioria das lesões ocorre quando a agulha se desvia e acaba por atingir diretamente os nervos, conduzindo a droga para os fluidos da espinha dorsal ou para as artérias, o que evita que o sangue chegue à medula.
Entre 2004 e março de 2018, nos registros da FDA, há 2.442 problemas graves decorrentes do uso de injeções de Depo-Medrol, incluindo 154 casos de morte. A Pfizer recusou-se a comentar sobre as mortes, enfatizando as advertências na bula do produto: "Problemas neurológicos graves, alguns resultando em morte, foram relatados a partir do uso de injeções epidurais de corticosteroides. Eventos específicos relatados incluem (mas não se limitam a) infartos da medula espinhal, paraplegia, tetraplegia, cegueira cortical e derrame".
Na Virgínia Ocidental, no centro da epidemia de opioides, o anestesista Dr. Brian Yee declarou que um número maior de médicos gerais tem indicado pacientes à sua clínica para injeções de esteroides epidurais e outros procedimentos, como a estimulação da medula espinhal, se comparado aos últimos anos.
Yee acredita que as injeções na espinha são válidas se forem adequadamente administradas. Mas ele acredita que os cursos de fim de semana não sejam suficientes.
"Agora que as pessoas estão parando com o uso de opioides, estamos abrindo caminho para as pessoas utilizarem outras opções em excesso; opções que podem ser úteis com os médicos certos e os pacientes certos", disse ele.
Carrie Flaten acha que ela foi uma das pacientes erradas. Ela contundiu as costas e o ombro em um acidente de carro quando tinha 28 anos, em 2007. Meses depois, ainda sofria com dores terríveis e começou um tratamento de fisioterapia, juntamente com uma série de injeções de esteroides epidural.
No início as injeções a fizeram se sentir melhor. Mas a dor sempre voltava, o que a levou a tomar tantas injeções de Depo-Medrol, entre outras, que uma enfermeira começou a chamá-la de "nossa almofada de agulhas".
A última injeção que tomou, no final de 2015, deixou-a com uma dor permanente e excruciante, que acarretou a dificuldade para andar, pouco controle sobre a bexiga e perda da libido. Flaten declarou que não conseguiu mais voltar ao seu antigo emprego como mecânica e que ainda tem dificuldade de cuidar dos filhos.
Ela ainda disse que a clínica que frequenta se recusou a receitar qualquer tipo de analgésico, a não ser que ela voltasse a usar as injeções, mas ela preferiu parar. Se alguém tivesse contado a ela que a Pfizer tentou banir esse tipo de uso, "teria tido ainda mais certeza na hora de dizer não", disse Flaten.
Sherry Brandt realmente disse não, o que, segundo ela, levou-a a ser dispensada do tratamento pela clínica. Brandt, 56 anos, sofreu de dor nas costas por anos e recebeu várias injeções de esteroides epidurais que não pareciam prejudicá-la. Mas também relatou que não ajudavam.
A fisioterapia e os analgésicos à base de opioides estabilizavam seu quadro, mas ela ainda tinha dificuldades de ficar em pé ou caminhar – o que piorou após uma cirurgia nas costas, vários anos atrás. Ela contou que ficou mais dependente dos analgésicos até que seu médico, diante do clima de pressão contra os opioides, ficou receoso de continuar a prescrevê-los, encaminhando-a para um especialista em dor. O pessoal da clínica sugeriu mais injeções, mas a esta altura Brandt já havia descoberto os riscos e recusou o tratamento.
style="display:block; text-align:center;" data-ad-layout="in-article" data-ad-format="fluid" data-ad-client="ca-pub-6652631670584205" data-ad-slot="1871484486">Então, ela foi atropelada por um caminhão.
Brandt foi para outra clínica, onde os médicos também lhe disseram que só prescreveriam analgésicos caso concordasse em tomar as injeções de esteroide epidural, contou. Ela se recusou novamente, por medo de piorar sua condição. "Isso é chantagem", disse.
As clínicas em que Flaten e Brandt foram atendidas se recusaram a comentar.
Dennis J. Capolongo lida frequentemente com chamadas de pacientes como elas. O ex-fotojornalista se tornou um defensor de pacientes depois que foi submetido a um tratamento com injeções epidurais de Depo-Medrol para a dor no quadril, em 2001, o que lhe ocasionou inflamação dos nervos, deixando-o de cama por quase três anos.
Capolongo, que vive em Potomac, Maryland, disse que ainda sofre com distúrbios do sistema nervoso central. Há anos, ele faz campanha para que a FDA proíba o uso do Depo-Medrol na coluna vertebral.
A Pfizer disse que não tem como controlar o quanto do Depo-Medrol é usado em injeções não indicadas. O porta-voz da empresa Thomas Biegi declarou que sem uma proibição da FDA não há nada que a empresa possa fazer para evitar esse tipo de uso.
"Acreditamos que seja uma questão de prática médica e cabe aos médicos e especialistas em dor decidirem pela utilização ou não desses medicamentos", disse Biegi.
Laxmaiah Manchikanti pensa que tudo está como deveria ser. Executivo-chefe da Sociedade Americana de Médicos para Intervenção na Dor, Manchikanti não faz uso do Depo-Medrol, mas acredita que seja seguro para a área vertebral inferior.
Em maio, depois que um grupo de médicos se reuniu com legisladores em Capitol Hill, o representante John Shimkus, de Illinois, propôs aumentar as taxas de reembolso do Medicare para o uso de injeções de esteroides epidural e outros procedimentos de intervenção.
O comitê médico de ações políticas doou US$20 mil para as campanhas de 2016 e 2018 de Shimkus, de acordo com o Centro de Políticas Responsáveis, que observa as contribuições de campanhas políticas. O representante Raja Leila, também de Illinois, recebeu uma doação de US$10 mil durante este ciclo eleitoral e US$5 mil durante as eleições de 2016.
A Câmara aprovou o plano em junho, que reverteria os cortes anteriores de 16 a 25 por cento. O Senado pode considerar a possibilidade de incluir um plano semelhante na versão legislativa dos opioides.
O Dr. James Patrick Murphy, especialista em anestesia e vícios do Kentucky, acredita que estudos recentes mostram que as injeções não são mais eficazes que a fisioterapia, demonstrando razões suficientes para não usá-las em muitos pacientes. Ele também considera o custo alto demais.
"A taxa médica varia entre US$100 e US$300, mas a taxa do hospital para realização do procedimento pode chegar a US$ 5 mil. É despesa demais para que a cura não seja garantida", disse ele.
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