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O Estado de S.Paulo - by Shagaly Ferreira

 

26/01/22 - Quando a empresária pernambucana Maria Eduarda Tassi conheceu a nutricionista paulista Fernanda Melaré, há oito anos, não imaginava que aquele era o início de uma amizade com sua futura parceira de negócios. Mães de crianças neuroatípicas, as duas faziam parte de uma rede de apoio em um aplicativo de mensagens, no qual compartilhavam alegrias e desafios da maternidade com outras mulheres em condição semelhante.
Foi entre uma conversa e outra que uma necessidade específica apontada pelas integrantes do grupo lhes chamou a atenção: a dificuldade em encontrar nas lojas varejistas opções de vestuário adequadas para crianças atípicas a partir dos 4 anos.
A rotina de customização de roupas convencionais adotada pelas mães acendeu um alerta de oportunidade. “A gente sempre adaptava o ‘body’ de bebê às necessidades dos nossos filhos. O meu filho e a filha da Fernanda usam gastrostomia (sonda alimentar). Por isso, a gente sempre cortava na roupa um buraquinho na lateral. Com o tempo, não conseguimos mais achar a peça com tamanhos maiores do que para 2 anos. E aí, a gente pensou: ‘já que é uma necessidade dos nossos filhos e a gente conhece bem isso, vamos lançar uma marca de roupa inclusiva para crianças e adolescentes’”, recorda Maria Fernanda. Antes de partir para o próprio negócio, ela já havia entrado em contato com marcas que fabricavam roupa para adulto para falar sobre o problema.
Ao observar essa lacuna no mercado, elas fundaram, em 2018, a Iguall Moda Inclusiva com foco em crianças com deficiência na faixa etária entre 4 e 16 anos. As peças são produzidas por encomenda, em São Paulo, e vendidas apenas via ecommerce para todo o Brasil.

Os produtos são desenvolvidas de forma personalizada, em atendimento às necessidades de cada cliente. A loja virtual recebeu um investimento inicial de R$ 30 mil e vende entre 60 e 70 peças por mês, em média. Informação de moda, conforto e funcionalidade são os diferenciais da marca, explica a empresária.
Cada roupa leva em torno de dez dias para ficar pronta e todo o retorno obtido com as vendas tem sido reinvestido na empresa. “Temos a preocupação de que o tecido seja sempre muito respirável, a gente não coloca absolutamente nada na parte de trás da peça, como zíper ou botão, que é para não haver um desconforto para quem vai ficar sentado por muito tempo. Só usamos etiquetas termocolantes”, conta Maria Fernanda. “É uma questão mesmo de praticidade no manuseio, para ser uma troca de roupa menos incômoda. Além disso, a gente se importa muito que a roupa tenha esse lado de moda também.”

 

MARKETPLACE

Assim como na Iguall, o público-alvo do portal de vendas UinHub, de São Paulo, são pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. O marketplace está em funcionamento desde 2021 com a proposta de ser um ecossistema de inclusão, reunindo em um só lugar produtos, serviços e conteúdos de proposta inclusiva. Ao oferecer ferramentas de acessibilidade e opção de busca por tipo de deficiência, o site recebe, em média, 10 mil visitas por mês, dando acesso a 800 itens, desde acessórios a artigos para casa, vendidos por 40 lojas.
Marcos Zoni, CEO da plataforma, explica que havia a necessidade de reunir uma cadeia de fornecedores para oferecer produtos para esse público, com melhores preços, mais modernos e mais úteis para cada perfil, evitando reproduzir o “aspecto hospitalar” que tradicionalmente é encontrado nas lojas para PcDs.
“O nosso trabalho não é só encontrar produto, é encontrar produto que tenha preço e solução para essas pessoas. A gente tem um trabalho de curadoria, que é um cuidado que a gente precisa ter de achar coisas que sejam úteis e compatíveis com cada deficiência.” No momento, uma nova plataforma do UinHub está em fase de produção, com o desenvolvimento mais profissional e acessível, de modo a facilitar a interação com os clientes, cujo valor médio de compra é de R$ 240. Zoni prevê mais dois anos de investimento para que o fluxo de vendas se torne rentável.
“É um mercado em desenvolvimento, então o lucro é coisa mais para a frente. Mas acreditamos, sim, que pode ser rentável. O que a gente quer fazer é conseguir custos e preços melhores, não por caridade, mas como um negócio”, diz.


DESAFIOS

O público atendido pela Iguall e pela UinHub faz parte de uma rede de consumidores que integra um segmento numeroso no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, as pessoas com deficiência no Brasil somam 17,3 milhões, correspondendo a 8,4% da população do País com mais de 2 anos de idade. A região Nordeste concentra o maior porcentual desse público, seguida de Sudeste, Sul, Norte e Centro-Oeste.
Apesar de vender para todo o Brasil, ambas as lojas concentram, por ora, seus negócios nas regiões Sul e Sudeste. O valor do frete nas transportadoras impacta no preço para o consumidor final, diminuindo a aquisição de produtos por clientes das outras regiões. Outro fator que diminui o alcance das vendas é a dificuldade de parcerias com grandes lojas do varejo. Segundo Maria Eduarda Tassi, o comércio inclusivo ainda não é visto como potencial lucrativo.
Para Carolina Ignarra, CEO do Grupo Talento Incluir, um ecossistema de soluções focadas em diversidade e inclusão, o mercado precisa considerar o potencial consumidor das pessoas com deficiência. “Eu entendo que a pessoa com deficiência existe e, se ela existe, de uma forma ou de outra ela consome e gera consumo. Então é só considerar a existência. É olhar para uma realidade, para um público que tem potencial por qualquer um dos lados que o consumo trouxer”, pontua Carolina.

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