O executivo mexicano Antonio Vergara, presidente da Roche Diagnóstica Brasil, costuma dizer que os almoços e jantares em sua casa são divertidos. Pai de três filhos, ele vê nos encontros à mesa uma completa miscelânea cultural.
“Meus filhos falam em inglês, minha mulher responde em espanhol, também comentam em francês e, quando querem fazer uma piada, usam o português”, diz Vergara ao NeoFeed.
Não é para menos: nos últimos 23 anos, ele trabalhou no México, nos Estados Unidos, no Canadá, em Portugal, em vários países da América Central e está no Brasil há um ano e meio.
No comando de uma operação com faturamento de R$ 670 milhões, ele enxerga o mercado de análises clínicas se transformando. Mais do que vender um produto, Vergara vislumbra a venda de serviços.
“É começar a olhar soluções além do trato comercial. Além do ‘eu te vendo um produto e você me paga’. Temos de olhar mais soluções como consultoria, trazer soluções digitais”, diz Vergara.
E já existem projetos sendo colocados de pé. Um deles com a prefeitura de Indaiatuba, no interior de São Paulo, e outro com o laboratório Fleury. Na entrevista que segue, o executivo conta os detalhes:
Qual é o nível de investimento voltado para o setor de análises clínicas?
Hoje em dia, mundialmente, do total investido pela indústria de saúde, 2% vão para prevenção. Aqui no Brasil, infelizmente, esse índice é de cerca de 0,4%. Isso pode, eventualmente, limitar o nível de investimento em inovação. E a nossa bandeira é a inovação.
Essa porcentagem ainda é pequena…
Esses 2% influenciam na tomada de decisões clínicas em 70% dos diagnósticos. Antes, as pessoas iam ao médico por questões sintomáticas, porque tinham febre e etc. Na medida em que os métodos de diagnósticos evoluem, a tomada de decisão clínica fica muito mais fácil.
Por exemplo?
Hoje temos tecnologias mais precisas, que chamamos de moleculares. Se você faz um exame de HIV e faz uma prova sorológica, por exemplo, você espera que o corpo crie uma reação, um anticorpo, e, para medir isso, há uma janela de detecção. No caso das metodologias moleculares, não é preciso esperar a reação do corpo. Vai direto nas moléculas. O impacto que a inovação tem no paciente é brutal.
Então por que a indústria não investe mais?
Nossos acionistas entendem que o futuro da indústria está baseado no nível de investimentos que colocamos para desenvolver novas tecnologias de sorologia, moleculares, genéticas, soluções digitais e etc. Quem tem mais dificuldade de entender são os pagadores, os governos e as operadoras de saúde. Quando começamos a colocar uma pressão de preços extremamente forte começamos a limitar o investimento em inovação. E temos de ter cuidado como gestores da saúde. ‘Por quê? Porque a inovação não é imediata. Ela leva três ou quatro anos’.
Mas o avanço tecnológico não encurtou esse período? O que levava uma década agora não leva muito menos para ser desenvolvido?
Acredito que o desenvolvimento de tecnologias disruptivas leva o mesmo tempo. O que o avanço tecnológico faz é melhorar o que já existe. Por exemplo, exames genéticos. Fomos os primeiros a lançar, há muitos anos, um sequenciador para sequenciar os genes. Eram máquinas enormes, que tinham metros de comprimento e muito caras. Hoje, fazemos máquinas menores. Mas, para chegar a desenvolver o sequenciador, que foi disruptivo, levou muito tempo. Agora, melhorar a tecnologia é mais rápido.
Qual é o tamanho da operação no Brasil?
Somos em 350 pessoas e um faturamento de R$ 670 milhões. No mundo, temos um faturamento de 11 bilhões de francos suíços (US$ 11,03 bilhões). Investimos 20% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento.
Você já comandou a operação da Roche em vários países. Qual é a diferença do Brasil para os outros países em que trabalhou?
Cada país é diferente. Mas o Brasil tem desafios adicionais. Tem uma dimensão grande e uma população tão grande como a dos EUA, mas a infraestrutura é bem diferente. Isso representa um desafio completamente diferente. Na Europa, são mercados maduros e a maioria das soluções estão bem incorporadas dentro do mercado, em muitos dos países a saúde é mais pública, quase tudo passa pelo governo. No Brasil, é diferente. Tem uma cobertura universal aqui, mas é curioso que 75% da população é coberta pelo público e 25% pelo privado. Mas o dinheiro é o inverso. Ou seja, 75% do dinheiro estão no privado e 25% no público. Tem um impacto na qualidade que existe no serviço público, infelizmente.
A infraestrutura no Brasil, como você mencionou, é bem diferente da existente nos EUA. Qual é o impacto disso para o seu negócio?
Temos uma filosofia de que as máquinas, a nossa tecnologia que desenvolvemos, têm de ser levadas para todos os lugares, para qualquer cliente. Seja no Albert Einstein, que é o melhor hospital da América Latina, seja em um laboratório pequeno do Amazonas. Tentar levar essa tecnologia e o nível de serviço é um desafio totalmente diferente. É mais difícil e encarece a operação. Em centros urbanos consolidados é muito mais fácil.
Então você trabalha com diferentes países dentro de um só…
Uma cidade como São Paulo, com uma população de 25 milhões, permite uma operação mais consolidada. Assim como falei que temos um mercado mais consolidado na Europa, aqui temos o segundo laboratório mais automatizado do mundo, que é o Dasa. O nível de automação, tecnológico, é super avançado. O laboratório do Einstein, por exemplo, é o único da América Latina em que estão todos integrados.
Onde estão as áreas de desenvolvimento da empresa?
Parte na Suíça e parte nos Estados Unidos.
Como você enxerga o surgimento de startups querendo “quebrar” o mercado como ele funciona hoje?
A Roche é uma empresa que é grande também por causa das startups. Compramos várias startups ao longo dos anos. As startups são bem-vindas. Na medida em que acrescentem à cadeia de valor e acelerem o acesso para as pessoas, está tudo bem. Certeza que vão precisar de colaborações de grandes empresas e de startups.
“A Roche é uma empresa que é grande também por causa das startups. Compramos várias startups ao longo dos anos”
E como observa o caso da Theranos, que prometia exames baratos e fáceis, captou centenas de milhões de dólares e não funcionou?
Não é fácil, foi um fiasco. Quando você trata de saúde, você tem de buscar a ciência. Se você segue só o dinheiro, não dá certo. Nós, por exemplo, temos 2 bilhões de francos suíços dedicados a pesquisa e desenvolvimento, temos os melhores cientistas, investimentos em startups, e para nós termos uma tecnologia nova, disruptiva não é tão fácil.
Você disse que no Brasil 75% do atendimento é público enquanto 25% é privado. Só que o dinheiro destinado a cada setor é o inverso. E no negócio de vocês, quanto representa o público e o privado?
Temos 80% privado e 20% público.
Como você analisa esse movimento de consolidação dos laboratórios? A Dasa, por exemplo, está comprando vários, não é um problema para a indústria?
É um desafio. O fenômeno de consolidação começou há vários anos e vai continuar acontecendo. Esses grandes grupos de serviços, como a própria Dasa, Pardini e outros, oferecem serviços de outsourcing de testes para laboratórios menores. Isso não é tão fácil de ver, porque o laboratório está lá, mas 50% do serviço é feito por outros grandes laboratórios. É um desafio? Sim. Mas também é uma oportunidade para repensar como o negócio deveria ser.
E como deveria ser?
Começar a olhar soluções além do trato comercial. Além do ‘eu te vendo um produto e você me paga’. Temos de começar a olhar mais soluções como consultoria, soluções digitais. Estamos, por exemplo, começando a fazer uma iniciativa chamada Tracking for life. É um programa que implementamos em Indaiatuba (SP). É uma solução em que cuidamos das mulheres e rastreamos o potencial de HPV. Com isso, prevenimos o câncer e fazemos isso em conjunto com o município. Não estamos mais vendendo testes, estamos vendendo cuidado de saúde. Nossa nova forma de olhar não tem de ser necessariamente quando a pessoa está doente. Temos de olhar a pessoa quando não é paciente ainda.
Isso será estendido a outros municípios?
A ideia é essa. Mas também estamos fazendo isso com a iniciativa privada. Por exemplo, estamos fazendo um piloto dentro da Roche em parceria com o laboratório Fleury para fazer exames com as funcionárias e aí prever as doenças. O Fleury tem 10 mil funcionários.
A Roche não tem fábrica aqui no Brasil e nem em qualquer outro país da América Latina. A construção de uma unidade na região está nos planos?
Não. A nível mundial, nossos produtos são produzidos na Alemanha e nos Estados Unidos. Acreditamos que, para você ter uma consistência da qualidade, deve ser fabricado em poucos lugares. Não pode estar espalhado em cinco ou seis lugares.
Você está liderando a operação brasileira há um ano e meio. O que está achando do País?
Sem me meter em preferências políticas, quando um país vai de transições da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, existe uma série de impactos que o país sofre. E acho que estamos nessa transição. Isso cria um espírito de falta de previsão. Um dia o dólar está a R$ 4,15, outro dia a R$ 4,06, em outro a R$ 4,20 e essa volatilidade traz uma incerteza que é um desafio adicional. Quando você olha a taxa de desemprego a 12,5% isso tem um impacto enorme na saúde. Essas pessoas que eram tratadas no setor privado agora são no setor público. Então, esse tipo de incerteza econômica normalmente calçada pela instabilidade política tem impacto no negócio.
“Um dia o dólar está a R$ 4,15, outro dia a R$ 4,06, em outro a R$ 4,20 e essa volatilidade traz uma incerteza que é um desafio adicional”
Qual é a sua perspectiva para o País?
Espero que tenhamos uma estabilidade maior no próximo ano. Infelizmente, acho que não teremos previsibilidade. Mas não acho que vai ficar pior. O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que foi assinado recentemente, traz uma perspectiva otimista.
Fonte: NEOFEED
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