Vivian Kirian Lee, da Takeda, fala sobre vacina da dengue

Vivian Kiran Lee, diretora executiva de Medical Affairs da Takeda

 

Vivian Kiran Lee, Diretora Executiva de Medical Affairs da Takeda comenta sobre a doença e pesquisa de desenvolvimento da vacina de dengue.


by Paola Costa | Futuro da Saúde

 

Em 2022 o Brasil bateu o recorde anual de mortes por dengue, de acordo com dados do Ministério da Saúde, com registro de mais de mil óbitos, além de quase 1,5 milhão de casos. Trata-se de uma doença viral que é transmitida pela fêmea do mosquito Aedes aegypti e está longe de ser exclusiva do nosso país: a dengue é um risco em mais de 125 países no mundo, muitos deles na América Latina. O Brasil já está acostumado com campanhas e medidas de controle — apesar de elas terem ficado um pouco em segundo plano nos últimos anos por causa da pandemia –, mas a expectativa de ter uma vacina da dengue finalmente está virando realidade.

E com duas ao mesmo tempo. Uma ainda está sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan, que divulgou os primeiros resultados no fim do ano passado. Outra é a QDENGA, da farmacêutica Takeda, que em 3 de março já até recebeu aprovação no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para prevenção da doença por qualquer um dos sorotipos, para pessoas de 4 a 60 anos, independentemente de terem sido previamente expostas a doença.

Em entrevista para o Futuro da Saúde, a diretora executiva de Medical Affairs da Takeda no Brasil, Vivian Kiran Lee, comentou sobre o cenário da dengue no país, sobre a pesquisa em torno do desenvolvimento da vacina e as especificidades do imunizante. Confira os principais trechos da entrevista:

 

O Brasil viveu um recorde de mortes por dengue em 2022. Como você enxerga esse cenário e a que você atribui isso?

Vivian Lee – No ano passado, nós tivemos mais de 1,4 milhão de casos confirmados, sem contar os casos que não foram informados com relação à dengue. Nós tivemos aqui no Brasil mais de mil mortes e somos o país número um em casos de dengue no mundo. Quando você pergunta “mas por que aconteceu isso?”, vale lembrar que a dengue é uma doença que passa por surtos, aproximadamente a cada 2, 3 anos. Além disso, há a questão da Covid-19 que teve um impacto. O foco da população e do sistema de saúde foi muito forte na Covid-19 e as pessoas deixaram a dengue de lado. Uma comprovação disso foi que nós fizemos uma pesquisa com o IPEC com mais de 1.200 brasileiros, isso com apoio da Sociedade Brasileira de Infectologia, e chegamos ao número de que 1/3 dos participantes disseram que não existe mais dengue.

 

Nós sabemos que a nossa população está envelhecendo. Isso gera uma preocupação maior com esse cenário da dengue?

Vivian Lee – A dengue é, digamos, “democrática”. Ou seja, ela pode acometer toda a população, desde crianças até adultos e idosos. Mas, realmente, as faixas etárias de grande risco, cuja gravidade da doença pode ser maior, são os idosos, pessoas com mais de 60 anos de idade. No momento, a nossa vacina foi aprovada, na Anvisa, para a faixa de 4 a 60 anos. Na Europa, por exemplo, a agência regulatória aprovou a vacina para indivíduos a partir dos 4 anos de idade, independente do limite. Mas por quê? A OMS (Organização Mundial da Saúde) atua com uma estratégia denominada imuno breeding. Trata-se de uma estratégia científica e regulatória que entende que se uma vacina, uma intervenção, teve comprovação em determinadas faixas etárias e demonstrou um aumento da imunidade celular para os adultos, ela realmente tem eficácia, então não há necessidade de realizar estudos clínicos em todas as faixas etárias. No caso do Brasil, nós temos essa indicação aprovada em bula limitada de 4 a 60 anos de idade. Acreditamos que, quanto ao impacto da vacinação, a pessoa que for vacinada vai permanecer com a imunidade durante muitos anos e vai ter uma proteção quando estiver em uma faixa etária mais idosa também.

 

Gostaria de perguntar também sobre a questão do controle da doença. Como você enxerga as medidas de controle e qual o papel e importância da vacina no combate a dengue?

Vivian Lee – As medidas de controle do vetor, o mosquito, têm extrema importância e têm sido utilizadas há décadas não só no Brasil, como também nos outros países no mundo, sendo uma recomendação da OMS. Existem medidas de controle do vetor, até em alguns casos de uso da bactéria, de mosquitos infectados com Wolbachia, além de medidas mais básicas como evitar acúmulo de água, etc. Todavia, quando falamos de pessoas infectadas, faltava a vacina de dengue. Nas medidas de controle da doença do programa nacional constam duas coisas para as pessoas infectadas: o sistema de saúde tem que ter ambulatórios e também leitos hospitalares para as pessoas com casos mais graves. Isso é o Programa Nacional de Combate a Dengue, então faltava realmente uma vacina com essa amplitude e por isso vemos isso como um marco.

 

Você poderia contar os principais dados levantados pela pesquisa?

Vivian Lee – Sim. A vacina de dengue foi estudada em mais de 28 mil adultos e crianças de 1,5 a 60 anos de idade. Foram 19 estudos clínicos em 13 países, tanto endêmicos quanto não endêmicos. O principal estudo chama TIDES, que é o estudo de eficácia da imunização tetravalente contra a dengue. Por que ele é o principal? Porque é um estudo que teve objetivos primários, secundários, uma avaliação de longo prazo até 4 anos e meio e ele ainda continua. Em um ano após 2 doses da vacina com 3 meses de intervalo, em uma população de 4 a 16 anos de idade e em países que chamamos de endêmicos, tanto na América Latina quanto na Ásia, a vacina de dengue teve uma eficácia geral de prevenção sintomática confirmada com redução de 80% dos casos. Depois de 18 meses, houve uma avaliação com relação à hospitalização e vimos uma redução de 90,4%, o que é um dado muito importante. Assim, de dez pessoas que ficam com dengue sintomática e seriam hospitalizadas, com a vacina isso cai para uma pessoa com um risco potencial de hospitalização. Esse estudo continuou por 4 anos e meio e mostrou que eficácia e segurança vão se mantendo. Você tem uma redução com o passar dos anos, o que é comum, mas é mais de 60% de eficácia em redução de casos de dengue e mais de 84% na redução de hospitalizações. Ressalto que o principal ponto desses 4 anos e meio foi a segurança, ou seja, não houve casos de piora da dengue nas pessoas vacinadas, nem eventos adversos novos ou graves durante esse período.

 

A eficácia da vacina varia por sorotipo do vírus da dengue? Qual é a porcentagem eficácia em cada tipo?

Vivian Lee – A bula que foi aprovada traz essa questão, de como é a eficácia por sorotipo do vírus da dengue 1, 2, 3 e 4. Antes de abordar os resultados que estão na bula, vou dar o exemplo da vacina da gripe, que é atualizada anualmente. A vacina tetravalente, que age contra 4 vírus, funciona assim: a OMS vai identificar quais são as novas cepas, as mutações, faz testes imunológicos para ver se há uma geração de anticorpos imunizantes e assim define, ano a ano, a vacina que deve ser feita. Não há tempo, nos estudos de vacina da gripe, de fazer esse estudo adicional que fizemos em relação a resposta depois de 1 ano e meio, 2 anos, dependendo do sorotipo, etc, porque o vírus muda muito. Eu quero enfatizar isso porque a nossa vacina de dengue tetravalente já demonstrou que gera imunidade de anticorpos contra os 4 sorotipos do vírus, por isso que ela é tetravalente. Agora, vamos para a nossa análise adicional. No Brasil, é importante enfatizar que os sorotipos principais são o 1 e o 2. Há mais ou menos 15 anos tivemos surto de dengue 3 e até então não tivemos nenhuma identificação de surtos de dengue 4, a qual ocorre mais na Ásia. Por conta disso, nos países da América Latina, não houve casos de sorotipo 4. Bom, para os sorotipos mais prevalentes no Brasil, que é o 1 e o 2, mostramos uma eficácia muito significativa. Para o sorotipo 1, tivemos 70% de eficácia na prevenção da dengue. Para o sorotipo 2, tivemos 95% de eficácia, tanto para a pessoa que já teve dengue previamente, quanto para a que não teve. Para o sorotipo 3, nós tivemos uma eficácia significativa para quem já teve dengue, mas para as pessoas que nunca tiveram dengue não houve eficácia, nem agravamento da doença. Para o sorotipo 4, houve demonstração de eficácia para as pessoas que já tiveram dengue, mas, quanto as pessoas que não tiveram, não houve números suficientes. Então, resumidamente, houve eficácia para todos os quatro sorotipos se a pessoa já teve dengue e eficácia muito importante para quem não teve dengue 1 e 2. Já nos tipos 3 e 4 não houve eficácia demonstrada para quem não teve dengue, sendo que no 4 não houve número suficiente de casos. Isso não vai estar na bula para o paciente porque é muito científico, mas vai estar para a bula de profissionais de saúde e você pode acessar no site da Anvisa.

 

Além da delimitação da idade dos 4 aos 60 anos, existe algum grupo populacional para o qual a vacina não é indicada?

Vivian Lee – O que é importante e também está na bula são essas contraindicações, as quais são comuns a qualquer outra vacina de vírus vivo atenuado. Por exemplo, se a pessoa tem alergia a nossa vacina de dengue, ela não deve ser utilizada; se a pessoa está grávida ou em fase de amamentação, também não; também não devem tomar os imunocomprometidos em quadros mais moderados e graves, como pessoas com HIV em uma fase de imunossupressão importante, pessoas que estão fazendo quimioterapias, outros tratamentos para câncer, etc.

 

Existe alguma previsão de inclusão no SUS?

Vivian Lee – Logo depois que teve a primeira fase, que foi de aprovação e registro na Anvisa, a Takeda imediatamente começou a ter reuniões com a CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), submetendo preços, o que é necessário para seguir adiante para importação e negociação com as clínicas. Paralelamente, nós começamos a discussão com o Ministério da Saúde, com o Programa Nacional de Imunização, para que possamos disponibilizar e aprovar a vacina de dengue para que a maior parte da população brasileira seja elegível. Já começamos as discussões e isso obviamente depende de todo um processo, nós não temos ingerência sobre o Ministério da Saúde, mas entendemos que todos temos o interesse comum de mitigar e reduzir o risco da dengue na população.

 

Qual é o preço estimado da vacina de dengue e como ela vai ser distribuída no Brasil e em outros países?

Vivian Lee – Com relação ao preço, como eu comentei, essa é uma submissão, uma discussão junto com a CMED, com o Ministério da Saúde. Nós não sabemos realmente, porque a discussão começou essa semana e precisamos avaliar como vai ser a decisão do Ministério. O que podemos dizer é que o Ministério utiliza vários parâmetros, eles olham os países, os preços que estão estipulados lá, avalia país de fabricação, os benefícios para a população, etc. Da nossa parte, a Takeda está muito otimista e com um compromisso de ser bem flexível nessa negociação para que a vacina de dengue esteja disponível.

 

A pandemia nos deixou, de certa forma, mal acostumados, porque vimos uma vacina sendo desenvolvida em tempo recorde. No caso da vacina da dengue, quanto tempo demorou e quais foram as principais dificuldades?

Vivian Lee – A nossa vacina contra dengue demorou aproximadamente 15 anos para ser desenvolvida. Não é uma questão de falta de empenho. A Takeda é uma empresa que está se globalizando com a vacina contra a dengue, mas tem mais de 70 anos de tradição no Japão com vacinas. O que acontece especificamente com a dengue é que ela é uma doença muito complexa. Existem epidemiologias diferentes, esses ciclos de surtos, mudanças dos sorotipos de vírus por regiões do país, existe a influência climática, influência da urbanização que vai mudando o histórico, a questão da altitude, do comportamento populacional em questão do controle do vetor, etc. Tudo isso constitui questões de imunidade também, cada sorotipo vai reagir diferente e dificulta a realização de estudos clínicos. Especificamente, a nossa vacina de dengue tem uma tecnologia de engenharia genética, os 4 sorotipos foram desenvolvidos nos Estados Unidos pelo CDC. Então, nós precisávamos ter essa engenharia genética, que não é algo antigo, para poder construir, a partir do vírus vivo atenuado sorotipo 2, os demais sorotipos. Então, usamos o esqueleto do sorotipo 2, mudamos proteínas estruturais incluindo a do 1, 3 e 4 para poder criar essa vacina. Realmente, teve muita tecnologia e ciência por trás disso. Adicionalmente, a OMS recomendou que uma vacina contra a dengue deve ter de 3 a 5 anos de estudos clínicos. Então nós fomos realmente protagonistas, fazendo um estudo de 4 anos e meio e ainda seguimos avaliando as pessoas que foram vacinadas.

 

Há muitas pessoas no Brasil e em outros países que ainda têm dúvidas sobre a segurança das vacinas. Como a farmacêutica planeja educar e conscientizar a população sobre a importância da vacinação contra a dengue?

Vivian Lee – Essa pergunta é muito importante. O Brasil sempre foi um país modelo no mundo com o Programa Nacional de Imunização e nós temos observado nos últimos anos uma queda expressiva. Chegamos a ter, em média, 60% de nível de vacinação na população brasileira, havendo um risco de retomada de doenças que já estavam até extintas no país. Fora isso, existem também essas campanhas antivacinas que realmente são muito prejudiciais a toda população. Queria passar um dado muito importante: a vacinação é a forma mais efetiva de reduzir as doenças e as mortes, além de ser a mais econômica. A OMS publicou que nos últimos 50 anos, aproximadamente 50% das mortes foram evitadas, principalmente por causa do advento das vacinas. Nós, como empresa, temos trabalhado muito junto à classe médica. Temos uma campanha, em conjunto com as sociedades médicas, de retomada da vacinação, e eu não estou falando da vacina de dengue, mas sim dessa retomada de vacinação da população em todos os aspectos. Por fim, no ano passado nós lançamos um site chamado “Conheça Dengue”, para a população em geral. Há uma necessidade de reduzir o impacto das fake news, então nós temos ali informações críveis, científicas e validadas. Essa pesquisa do Ipec que eu comentei, por região do Brasil, também está lá. Nós já estamos atualizando a pesquisa e vamos ter dados muito importantes com relação a dengue.

 

A Takeda está atualmente trabalhando em outras vacinas para doenças infecciosas? Se sim, quais são elas e como está o progresso?

Vivian Lee – Existem várias vacinas que a Takeda continua estudando e eu gostaria de enfatizar o impacto para o Brasil. Nós estamos muito ansiosos pela vacina do Zika vírus que, apesar de ter um impacto menor que a dengue, recentemente tivemos no Brasil uma implicação muito grande, principalmente nas grávidas e há uma grande preocupação também das pessoas que viajam para o Brasil. Ela está em fase de estudos, mas esperamos que nos próximos anos nós possamos trazer para cá.

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Joni Mengaldo

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