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Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

 

Cientistas em todo mundo estão em uma corrida para acabar com a doença de Alzheimer. Ao longo de duas décadas, pesquisadores conduziram centenas de ensaios clínicos e gastaram bilhões de dólares em financiamento. No entanto, apenas alguns medicamentos foram aprovados para o manejo da doença.

Porém, e se já existissem medicamentos no mercado que pudessem ajudar a tratar ou até mesmo a prevenir essa patologia tão devastadora? Se esses fármacos existirem, a geneticista Dra. Gyungah R. Jun, Ph.D., está determinada a encontrá-los — e pretende usar a inteligência artificial (IA) para isso.

"Usando grandes agregados de dados genéticos e moleculares de pacientes e a IA, posso prever tudo in silico [ou seja, por meio de simulação computacional]", disse ela, inclusive para determinar quem tem risco de Alzheimer e predizer como esses indivíduos responderão aos medicamentos existentes.

A ideia não é absurda. Cerca de um terço dos medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos acabam apresentando pelo menos um novo uso posteriormente, sendo que alguns fármacos chegam a mais de 10 novas indicações pós-aprovação.

Historicamente, essas descobertas acontecem por acaso (como foi com os agonistas do receptor do peptídeo 1 glucagonoide para perda de peso, por exemplo), mas a IA dá a pesquisadores como a Dra. Gyungah uma vantagem nesse processo.

O objetivo é simples: descobrir rapidamente novos usos para medicamentos já aprovados ou compostos químicos já estudados, evitando assim o ritmo lento do desenvolvimento de novos fármacos e possibilitando caminhos inéditos para o tratamento extremamente necessário de determinadas doenças.

 

Encontrando um novo caminho para o tratamento de Alzheimer

Os possíveis medicamentos para o manejo da doença de Alzheimer geralmente têm como alvo placas amiloides viscosas, e o processo de desenvolvimento desses agentes termina normalmente com a tentativa de encontrar uma população-alvo de pacientes para participar de um ensaio clínico. Mas, na opinião da Dra. Gyungah, isso é um retrocesso.

"Minha sugestão é que devemos começar pela medicina de precisão", disse ela, que é professora associada de genética biomédica na Chobanian & Avedisian School of Medicine da Boston University, nos EUA.

Sua estratégia é focada principalmente na genética, que responde por cerca de 80% dos casos de Alzheimer. A Dra. Gyungah começou a desenvolver essa abordagem há vários anos, enquanto trabalhava em projetos relacionados à descoberta de medicamentos para Alzheimer guiados pelo genoma para uma grande empresa farmacêutica. A vontade da pesquisadora era começar no nível celular, no interior do parênquima cerebral, identificando genes específicos no interior de redes genéticas que seriam "alvos primários" para medicamentos já em uso. No entanto, ela só podia explorar medicamentos produzidos pela empresa à qual era vinculada, o que levou ao insucesso do projeto.

Quando retornou à academia no final de 2018, a Dra. Gyungah expandiu suas pesquisas para incluir o PubChem , uma enorme base de dados pública contendo inúmeros compostos medicamentosos. O método da pesquisa é baseado na aprendizagem de máquina, um tipo de ferramenta de IA que identifica padrões em grandes conjuntos de dados.

Os cientistas já conhecem muitos marcadores genéticos associados à doença de Alzheimer. A Dra. Gyungah agrupa esses marcadores em "subtipos", conforme o tipo e a função da célula avaliada. Em seguida, ela identifica qual gene em um subtipo deve ser o alvo farmacológico. Para fazer isso, ela usa uma rede neural gráfica, um tipo de aprendizagem de máquina que faz previsões com base em relacionamentos entre pontos de dados (chamados nós) ligados por linhas (arestas).

Quando encontra um potencial alvo, a Dra. Gyungah busca medicamentos existentes que correspondam a ele, usando a chamada "aprendizagem não supervisionada", isto é, fornecendo à IA dados não rotulados (nesse caso, provenientes do PubChem) para que ela interprete essas informações sem nenhuma instrução.

O laboratório onde ela trabalha testou essa abordagem, definindo o gene APOE do subtipo astrocitário como o alvo terapêutico mais promissor. Os pesquisadores usaram cérebros provenientes de necrópsias e astrócitos derivados de células-tronco pluripotentes humanas para validar os achados.

Os resultados sugerem que o estradiol, um estrógeno aprovado pela FDA para uso na terapia de reposição hormonal, possa ser eficaz no tratamento do Alzheimer relacionado ao gene APOE. Inclusive, pelo menos três ensaios clínicos testando o uso do estradiol para o tratamento da doença de Alzheimer já foram concluídos ou estão em andamento.

Porém, a Dra. Gyungah acredita que essas pesquisas precisem ser reconsideradas com base nos perfis de risco genético dos pacientes. "O sucesso de ensaios clínicos com marcadores associados à seleção de pacientes deve aumentar drasticamente (até 90%)", disse ela.

A esperança dela é que as empresas farmacêuticas possam usar a sua técnica e desenhar ensaios clínicos em torno de subtipos genéticos específicos. "Espero que [esse método] possa ser aplicado rapidamente", disse ela, ressaltando que as mulheres têm maior risco de apresentar a doença.

 
 

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Mirando nas doenças raras

As chances de encontrar um medicamento eficaz são especialmente pequenas em pacientes com doenças raras, ou seja, patologias que afetam menos de 200 mil indivíduos. Existem mais de 7 mil doenças raras, e apenas 5% têm algum tratamento aprovado pela FDA.

"Na verdade, isso é chocante", disse a Dra. Marinka Zitnik, Ph.D., professora assistente de informática biomédica ligada à Harvard Medical School, nos EUA. "Como alguém que trabalha com IA, esse foi um dado estatístico muito importante em termos de como até mesmo pequenas melhoras relacionadas à redução do tempo ou diminuição da taxa de falhas na descoberta de medicamentos podem ter um efeito enorme nos pacientes."

O laboratório da Dra. Marinka está investigando o uso de medicamentos existentes para doenças sem tratamentos eficazes, em um esforço denominado reaproveitamento de medicamentos zero-shot . A "aprendizagem do tipo zero-shot" acontece quando uma máquina aprende a reconhecer coisas que ela nunca viu antes. O método é útil para gerar conclusões a partir de grandes volumes de dados não rotulados — neste caso, doenças raras, complexas e negligenciadas.

"Desenvolvemos um modelo que, pela primeira vez, pode indicar um medicamento para uma doença, mesmo que essa patologia não tenha nenhum tratamento conhecido", disse ela.

O laboratório liderado pela pesquisadora é especializado em aprendizagem profunda geométrica, uma área de aprendizagem profunda que é capaz de considerar a geometria de moléculas (conforme mapeamentos realizados por redes neurais gráficas) para fazer previsões ou gerar novos designs. Os pesquisadores usaram um modelo para analisar mais de 17 mil doenças, a maioria delas sem tratamento e pouco compreendidas.

Quando os cientistas pediram ao modelo que encontrasse possíveis medicamentos para uma doença rara, ele conseguiu identificar relações anteriormente desconhecidas com outras doenças, como vias biológicas, fenótipos e aspectos patológicos em comum. Os achados possibilitaram que o modelo identificasse medicamentos existentes que poderiam ser eficazes.

As previsões foram consistentes com prescrições sem indicação na bula feitas por médicos em um grande sistema de saúde. Além disso, como o modelo explica o próprio raciocínio, ele pode fazer com que os profissionais tenham uma maior confiança em suas previsões.

Em um estudo de caso, o modelo identificou vários medicamentos aprovados que podem ter efeitos terapêuticos positivos na doença de Wilson, uma síndrome rara associada ao acúmulo excessivo de cobre no organismo — o que pode levar à cirrose.

Os pacientes acometidos frequentemente apresentam intolerância a um tratamento comumente usado, tornando o manejo crônico desafiador. No entanto, o modelo revelou um medicamento potencialmente promissor, que estudos anteriores sugerem que seja capaz de remover o ferro do fígado. O laboratório está realizando testes biológicos de acompanhamento para confirmar os efeitos do fármaco no cobre.

 

Prevendo como uma doença responderá a um tratamento

A perspectiva de reaproveitar medicamentos existentes para o tratamento de doenças raras "está associada a muitos benefícios", disse o Dr. Shantanu Singh, Ph.D., líder de pesquisa ligado ao Carpenter-Singh Lab do Broad Institute of MIT and Harvard, nos EUA. Doenças raras são tipicamente menos estudadas, mesmo com o apoio da FDA. "É difícil incentivar empresas farmacêuticas a desenvolver um medicamento que beneficie apenas mil ou 10 mil pessoas", disse o Dr. Shantanu. Isso gera uma ampla oportunidade de atuação para pesquisadores na área acadêmica e de biotecnologia.

Carpenter–Singh Lab usa IA para buscar informações em imagens celulares, sendo essa mais uma abordagem que pode ajudar a concretizar o potencial de medicamentos já existentes.

Quando os biólogos olham no microscópio, eles confiam muito no próprio conhecimento para entender a imagem e detectar anomalias ou alterações, disse o Dr. Shantanu, que também relatou ter ficado surpreso. Em uma função anterior na área de computação para uma montadora de veículos, "meu trabalho era completamente focado na ideia de que é possível fazer os computadores enxergarem, assim como os humanos conseguem", disse ele.

A montadora estava desenvolvendo uma versão inicial de um carro autônomo. O Dr. Shantanu usou dados de imagens de satélite para construir modelos preditivos que pudessem reconhecer objetos e pessoas. Esse é um tipo de IA conhecido como “visão computacional”, que permite que computadores reconheçam e extraiam informações de imagens e vídeos.

No Carpenter-Singh Lab, microscópios robóticos automatizados registram fotos de células tratadas com diferentes produtos químicos e compostos. Em seguida, a IA ajuda a "descrever" o que está acontecendo no interior dessas células. "Apenas observando as semelhanças entre os padrões dos efeitos de diferentes substâncias químicas nas células, é possível deduzir muitas coisas", disse o Dr. Shantanu.

Doenças raras geralmente são genéticas e muitas estão associadas a mutações em mais de um gene. Entretanto, acredita-se que algumas delas — cerca de 3 mil — estejam relacionadas a alterações em apenas um gene.

Ao introduzir uma única mutação em uma linhagem celular, os pesquisadores podem criar modelos simplificados dessas doenças. A partir daí, eles podem analisar como a célula responde a diferentes medicamentos, procurando por algum que reverta o fenótipo alterado para um estado saudável. "Agora, em grande escala, é possível encontrar potenciais combinações de medicamentos e doenças entre as 3 mil enfermidades e os [mais de 20 mil] medicamentos que estão no mercado", disse o Dr. Shantanu.

 

Essa técnica levou à criação da empresa de biotecnologia Recursion. (A Dra. Anne Carpenter, Ph.D., diretora sênior da Plataforma de Imagens do Broad Institute, atua como consultora científica na instituição.) Os fundadores da empresa usaram imagens celulares para identificar um possível medicamento reaproveitado para o manejo da malformação cavernosa cerebral (MCC), uma doença neurovascular rara.

 

As iniciativas de reaproveitamento da Recursion são fundamentadas em uma base de dados da empresa com cerca de 17 mil moléculas conhecidas, inclusive contendo medicamentos aprovados e compostos químicos que começaram a ser desenvolvidos por outras organizações, mas que posteriormente foram descartados.

 

Os medicamentos disponíveis atualmente tratam apenas os sintomas da MCC, como crises convulsivas e hemorragias cerebrais. As imagens celulares apontaram para a eficácia de uma pequena molécula conhecida como sequestrador de superóxido. Os cientistas ficaram surpresos, mas quando encontraram pesquisas anteriores ligando um gene vinculado à MCC ao estresse oxidativo, eles prosseguiram com estudos em animais. Atualmente, a molécula está em estudos de fase 2, com dados esperados para o final deste ano.

 

Para as aproximadamente 350 mil pessoas com MCC, um novo tratamento pode estar disponível em breve. Além disso, os achados podem ter implicações além da MCC, que causa uma permeabilidade patológica dos vasos sanguíneos, sendo esse um sinal observado em diversas outros quadros patológicos, como esclerose múltipla e sepse.

 
 

Levando medicamentos reaproveitados aos pacientes

Cerca de uma em cada cinco prescrições feitas nos EUA não tem indicação na bula, ou seja, é destinada a usos não aprovados pela FDA. Normalmente, os médicos são os responsáveis por fazer essa avaliação. É improvável que os profissionais façam uma prescrição sem um modelo de doença — algo que algumas patologias raras não têm, segundo Julie Owen, diretora de química da Recursion.

"Muitas instituições acadêmicas estão oferecendo sugestões de reaproveitamento com base em um estudo bioquímico ou ensaio de ligação de proteínas", disse Julie. "Isso não é suficiente. Os médicos não terão confiança em prescrever um medicamento sem indicação na bula apenas com base nisso."

Se esses compostos forem bem compreendidos ou tiverem aprovação da FDA para outras indicações, sua toxicidade e possíveis efeitos colaterais já terão sido avaliados. Saber que um medicamento pode ser administrado com segurança em pacientes saudáveis "pode ajudar a 'pular' os estudos de fase 1", disse Julie. "Em tese, é possível começar nos estudos de fase 2, dependendo das evidências do modelo de doença que se tem."

Três potenciais medicamentos reaproveitados para o manejo de doenças raras (dentre elas a MCC) identificados pela Recursion estão atualmente em estudos de fase 2. Também existem fármacos que podem ser reaproveitados para o tratamento do câncer e que estão em estudos pré-clínicos e de fase 2.

Se esses esforços forem bem-sucedidos, milhares de pacientes poderão ter acesso a tratamentos mais eficazes para doenças que normalmente seriam ignoradas pelas empresas farmacêuticas. Além disso, as possibilidades do reaproveitamento de medicamentos aprimorado por IA só tendem a crescer.

A "versão combinada" da plataforma desenvolvida pelo Carpenter-Singh Lab, por exemplo, usa uma estratégia conhecida como código de barras óptico, que “marca” as mutações genéticas em cada modelo celular. Isso permite que os pesquisadores coloquem milhares de células representando centenas de doenças diferentes em cada "poço" (isto é, um minitubo de ensaio) em uma placa com múltiplos poços.

Em seguida, eles podem acrescentar um composto diferente em cada poço para estudar como milhares de compostos interagem com centenas de doenças simultaneamente. Então, algoritmos de aprendizagem de máquina analisam as imagens das células para "ver" como elas mudam.

"Isso pode aumentar bastante a escala [do processo]", disse o Dr. Shantanu. "Havendo interesse em uma doença específica, não sabemos o que pode acontecer, mas as chances de encontrar algo serão maiores."

Esta é a segunda de uma série de três partes do Medscape sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na descoberta e desenvolvimento de medicamentos. A Parte 1 é sobre o papel da IA ​​no design de ensaios clínicos mais rápidos e eficazes. A Parte 3 relata a capacidade da IA ​​de criar novas proteínas do zero, agilizando a criação de terapêuticas baseadas em proteínas.

 

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