Marcelo Oliveira
Do UOL, em São Paulo
A lei 13979, aprovada pelo Congresso Nacional em fevereiro de 2020 e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pode autorizar um de seus maiores adversários políticos na atualidade, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a determinar a vacinação de cidadãos paulistas com a CoronaVac, produzida em parceria pela empresa Sinovac, da China, e o Instituto Butantan.
Hoje, sem apresentar todas as cartas que teria na manga, Doria anunciou que não é preciso esperar até março, como o governo federal pretende fazer, e que vai começar a vacinar os paulistas em janeiro. Prometeu apresentar os detalhes do plano no dia 7 do mês que vem. À Globo, o Secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, foi ligeiramente mais cauteloso e disse que vacinação deve começar no primeiro bimestre.
A lei permite, inclusive, em seu artigo 3º, inciso III, que a vacinação seja obrigatória (mas a constitucionalidade da obrigatoriedade será apreciada pelo STF a partir do próximo dia 11).
A autorização para vacinar sem autorização da Anvisa é dada pelo artigo 3º da lei que prevê que "as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras" medidas como a "vacinação e outras medidas profiláticas", conforme a alínea "d" do texto legal.
Em maio deste ano, o Congresso derrubou vetos do presidente Bolsonaro à lei aprovada em fevereiro e incluiu o inciso VIII no artigo 3º.
Autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro da Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus.
Trecho do inciso VIII
O inciso VIII do artigo 3º da lei não explicita quem daria essa autorização provisória, mas estabelece em sua alínea "a" que para obter tal autorização bastaria que a vacina ou medicamento, sejam "registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras": FDA (EUA), EMA (União Europeia), PMDA (Japão) ou NMPA (China).
A lei 13979 foi aquela que o STF, em abril deste ano, interpretou a favor dos governadores e prefeitos para impor planos para a contenção da pandemia de covid-19 mais restritivos que as recomendações do Ministério da Saúde, numa das maiores derrotas do governo Bolsonaro no Supremo.
Por sua vez, ontem, a Anvisa anunciou que definiu as regras para conceder a autorização emergencial de que fala a lei.
Com ou sem Anvisa, Doria tem vacinas e insumo para produzir
Consultado pela reportagem, experiente infectologista que já assessorou a OMS e o Ministério da Saúde — e que não faz parte do grupo de cientistas que assessora o governador — avalia que, ainda que Doria peça autorização da Anvisa, esta deveria ser concedida de forma rápida, pois a CoronaVac é uma das que tem obtido o melhor desempenho nos testes, além de já haver doses prontas e insumo disponível no Brasil (uma carga de insumos para produzir a vacina chegou hoje ao país).
O infectologista — que pediu para ter a identidade preservada por conta da politização que o tema tem tomado — entende, inclusive, que não seria necessária usar a lei e obter autorização provisória para a primeira parte da vacinação, que será destinada provavelmente a grupos específicos: idosos e profissionais de saúde.
Para o especialista, o Ministério da Saúde age de forma burocrática, pois parece ter apostado tudo na vacina da Astra Zêneca (Oxford), cujo cronograma atrasou no Reino Unido.
Em vídeo, contudo, o secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo de Medeiros, negou que o governo tenha preferência por uma ou outra vacina.
Doria tem histórico de recuos quando o assunto é a pandemia
Em São Paulo, de forma responsável, seguindo a lei, nós, no próximo mês, cumprindo o protocolo com a Anvisa, obedecendo princípios de proteção à vida, vamos iniciar a imunização dos brasileiros de São Paulo em janeiro. Não vamos aguardar março."
João Doria em coletiva ontem
Apostando na obtenção da autorização da Anvisa ou usando a lei para vacinar mediante autorização provisória desde com a aprovação de uma das agências estrangeiras listadas na lei, nada impede que o governador estabeleça um cronograma, contudo, ao longo da pandemia houve alguns anúncios e entrevistas do governador que foram desmentidos depois.
Apesar de Doria ter a lei ao seu lado, além de vacinas prontas em estoque, o governador já recuou de anúncios e declarações relativas ao controle da pandemia no Estado.
Em 15 de maio, quando a epidemia de covid-19 crescia velozmente em São Paulo e no Brasil, Doria disse ao UOL ter um plano de lockdown pronto, mas que pretendia não usá-lo, o que indicava que as restrições poderiam ser apertadas. Contudo, em 27 de maio, lançou o Plano São Paulo, de reabertura, surpreendendo a todos.
Em novembro, após ser aconselhado por especialistas que o assessoram a rever a fase verde do Plano São Paulo em virtude do aumento de casos de covid-19 no Estado, Doria chegou a anunciar o ajuste do plano para 16 de novembro, após o primeiro turno das eleições.
Contudo, o Estado alegou que problemas no sistema do Ministério da Saúde atrasaram a obtenção dos dados e o anúncio foi remarcado e feito em 30 de novembro, um dia após a eleição em que Bruno Covas (PSDB), foi reeleito prefeito.
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